IMPOSTOS EM SÃO PAULO

domingo, 16 de setembro de 2007

Deserto Verde e a Aracruz Celulose

A Aracruz Celulose invade o Rio de Janeiro

Por Joyce Enzler
Por ironia do destino, a Aracruz Celulose – empresa que depois de alguns anos tentando entrar no Rio de Janeiro com sua devastação de terras, de culturas – conseguiu adentrar no nosso estado através da mudança da Lei proposta pelo governador Sergio Cabral, e com o aval do Secretário do Ambiente Carlos Minc, outrora lutador das causas ambientais.
Defensores do eucalipto argumentam que a vinda da empresa traz mais emprego para a região. Ambientalistas, indígenas, sem-terra, técnicos especializados provam que a agricultora ecológica além de empregar mais pessoas e ser mais saudável, abastece a cidade com alimentos. E como disse, em audiência pública, na Alerj, o economista do INCRA, Gustavo Souto: “Que eu saiba aqui ninguém come papel”.
Com o intuito de aprofundar o debate sobre o tema, Algo a Dizer entrevista o ambientalista e fundador da Rede Alerta Contra o Deserto Verde.
Entrevista com o ambientalista Sérgio Ricardo
O PL 383/2007, que foi aprovado recentemente alterou a Lei Estadual 4063/2003, de autoria do atual Secretário de Meio Ambiente Carlos Minc (PT). Além de diminuir de 30% para 16% a área de cultivo da mata nativa e aumentar a devastação da Mata Atlântica, quais as outras implicações que esta monocultura trará para o nosso estado?
A obscura Lei da Aracruz Celulose, aprovada às pressas pela maioria de deputados governistas, é um atentado contra os remanescentes da Mata Atlântica fluminense, e também um empecilho ao avanço da reforma agrária e da agricultura familiar em nosso estado. A expansão da indústria da celulose e de outras monoculturas em nosso país, pode levar a riscos de insegurança alimentar no futuro. O Rio está submetido a uma intensa Agenda de poluição e de injustiça ambiental travestida de desenvolvimento econômico. O resultado destas políticas irresponsáveis será mais exclusão social e a pobreza de pescadores, agricultores e comunidades. O patético secretario estadual de Meio Ambiente, Carlos Minc (PT), atua como o principal “garoto-propaganda” da poluidora Aracruz que grilou, no Espírito Santo, terras de quilombolas e indígenas, envenenou com agrotóxicos as nascentes e a saúde dos trabalhadores e causou muitos acidentes trabalhistas.
Com a equivocada opção do governador Sérgio Cabral (PMDB) de “desenvolver” o interior do estado por meio de uma ou mais monoculturas sujas, ocorrerá um aumento do êxodo rural e da desigualdade no campo. A agricultura familiar e a reforma agrária também perdem com esta lei ilegítima, ilegal e injusta. Há risco de redução da produção dos alimentos, porque a monocultura de eucalipto ocupa grandes extensões de terras, inclusive áreas agrícolas em larga escala, o que gera uma maior concentração fundiária.

Porque os movimentos sociais, ambientalistas dizem que este PL é inconstitucional?
A aprovação de uma Lei que claramente beneficia uma única empresa, conhecida internacionalmente por ser uma multinacional da poluição, é uma vergonha. O governador e seus secretários confeccionaram uma casaca para vestir apenas os interesses econômicos da Aracruz que está impedida de se expandir no Espírito Santo. Lá, teve de devolver 11 mil hectares de terras aos povos indígenas, por causa de uma decisão corajosa do Ministério Público Federal e da Justiça.
A ilegalidade está no fato do Governo do Estado ter fabricado uma lei sob encomenda (da Aracruz Celulose). Além de colocar em risco as últimas áreas de Mata Atlântica ainda existentes, vai ocupar terras destinadas à produção de alimentos. Para aprovar esta lei bizarra, o governo utilizou um falso argumento, o de que seria necessário “regulamentar” o Zoneamento Ecológico-econômico (ZEE), que como sabemos não depende de lei estadual nenhuma para acontecer, ser implantado, pois trata-se de uma legislação federal. Portanto, bastaria o Estado criar a Comissão do ZEE incluindo a Emater, Pesagro, ITERJ, Defensoria Pública, convidar órgãos federais como Embrapa, Incra, IBGE, Ibama, além das universidades, agricultores e sociedade civil. Este processo geraria as audiências públicas na qual o potencial das diferentes vocações agrícolas e econômicas de cada cidade ou bacia ou região hidrográfica seriam debatidas, analisadas pela sociedade. Somente após este processo participativo a proposta de ZEE deveria ser enviada à Alerj. Todo este rico processo – que colocaria em foco as raízes da situação de abandono do campo fluminense e do longo processo de degradação ambiental do Norte e Noroeste fluminense – foi deliberadamente impedido, bloqueado de forma antidemocrática, por esta lei indecorosa.
A lei prevê destinar longas extensões de terras à monocultura de eucalipto, os chamados plantios em larga escala. O Governo do Estado e a maioria de deputados estaduais condenou esta região a ser transformada num verdadeiro deserto verde, sem vida e sem biodiversidade, o que afeta a produção de alimentos, além das monoculturas disputarem território com as poucas terras ainda disponíveis no estado para a reforma agrária e a agricultura familiar que é uma necessidade social e econômica em nosso país.
A nova lei é ilegal e ilegítima porque permite que plantios com até 400 hectares sejam realizados sem apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Isto é uma ameaça para que as terras fluminenses se transformem num deserto verde.
A lei beneficia ainda a “máfia dos agrotóxicos” uma vez que a monocultura de eucalipto usa bastante venenos químicos. Estas empresas, gigantes multinacionais do setor químico-farmacêutico e de biotecnologia, provocam o que os povos indígenas chamam “progresso da morte” já que contaminam nascentes e rios, afetam a saúde dos agricultores, destroem as florestas nativas, concentram terra e poder político-financeiro para poucos, porque a sua produção é para exportação – gerar riquezas no exterior.
Atualmente, as monoculturas são extremamente mecanizadas, portanto não geram empregos como vêm sendo mentirosamente anunciado pelo Governo do Estado e a Aracruz por meio de propaganda paga em TVs e jornais. Isto é uma ilusória forma de manipulação dos anseios e necessidades da população, algo como uma chantagem de emprego própria do desenvolvimento capitalista poluidor que tenta se impor a qualquer custo.
O projeto do governo do estado não indica medidas adequadas e efetivas para reverter o avançado processo de desertificação que já atinge as terras de várias cidades do Norte e Noroeste fluminense, o que os governistas e lobistas da Aracruz chamam de deserto cinza. Pelo contrário, a lei da Aracruz visa consolidar um terceiro ciclo de monocultura altamente poluidora, concentradora de renda e promotora de exclusão social no campo – os dois primeiros ciclos foram o do café e da cana-de-açúcar que degradaram enormemente os solos com desmatamentos e queimadas, eliminaram a vegetação nativa e exploraram a força de trabalho das populações rurais.
Agora, surge o antiecológico ciclo da monocultura de eucaliptos e seus conhecidos impactos sócioambientais. Técnicos experientes de diversas áreas têm destacado a falta de ética, inclusive com as futuras gerações, de se querer combater o “deserto cinza” com a implantação de um verdadeiro “deserto verde”, através de uma predatória monocultura de exportação. Ao invés de monoculturas, devemos ter políticas públicas voltadas para a conservação do solo e da biodiversidade, assim como a recuperação das áreas degradadas, a proteção das nascentes, de rios e cursos d`água. O atual governo preferiu condenar parte do território fluminense a ser uma zona de sacrifício ambiental e social.

Enfim, e infelizmente, a Aracruz Celulose entrou no nosso Estado após anos de luta dos verdadeiros e incansáveis ambientalistas. Não dá para lutar contra a força do dinheiro, o movimento ambientalista rachou ou é uma derrota da sociedade?
É um equívoco achar que a aprovação desta lei injusta é uma derrota de um único setor dos movimentos sociais, no caso dos ambientalistas, já que seus impactos afetarão toda a sociedade, a economia regional e a forma de ocupação do território fluminense, inclusive por que pretende subtrair, eliminar terras apropriadas para a reforma agrária e as últimas áreas de mata atlântica do estado.

As cidades serão afetadas pela redução de áreas produtoras de alimentos. Não será surpresa se houver um contínuo aumento dos custos dos hortifrutigranjeiros consumidos pela população urbana mais pobre, já que o plantio de eucalipto está previsto na lei para ser feito em larga escala e ocupar grandes extensões de terras. Outra conseqüência perversa será o aumento do êxodo rural que, como sabemos, gera ocupação desordenada das cidades, desemprego e pobreza nas cidades: caldo de cultura da violência urbana e da insegurança pública.
Parte do movimento ambientalista há tempos foi cooptado pelo grande capital e por governos que não levam em conta, de verdade, a questão ambiental e que ainda hoje submetem nossas vidas aos interesses econômicos imediatos de grandes empresas poluidoras. Estes mercadores da natureza abandonaram há muito tempo a perspectiva de luta coletiva e aderiram à Ecologia de Mercado. Estão empanturrados com seus milhões através de seus projetos e medidas compensatórias – muitas delas para maquiar a realidade de dor e sofrimento em que vivem muitas pessoas e comunidades vítimas da poluição.
Ecologia é coisa muito séria para ser tratada apenas por Ong’s. No Brasil, os movimentos sociais e ativistas, pesquisadores e grupos ecológicos que lutam para construir uma sociedade mais justa, solidária e com maior distribuição de renda e do poder político estão se organizando nos movimentos de justiça ambiental que têm trazido nova esperança mundo afora, nas lutas de resistência por transformação social coletiva e que propõem mudanças profundas à injusta globalização econômica em que vivemos.
As Redes Alerta contra o Deserto Verde lutam contra as monoculturas por entender que esta é uma luta ecológica anticapitalista, já que afeta os direitos da maioria da população trabalhadora e o meio ambiente. A luta contra os chamados desertos verdes, que avançam por diversos estados (ES, MG, BA, RS, SP e agora RJ), a base de generosos incentivos fiscais e bilionários e financiamentos públicos, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dados a um seleto grupo de grandes empresas transnacionais como, por exemplo, Aracruz, Suzano e Verace.
Esta não é uma luta apenas ecológica. Questionamos a opção de desenvolvimento capitalista altamente poluidor, destruidor da natureza, concentrador das riquezas, e socialmente excludente que o nosso país tem adotado ao longo dos tempos. Uma questão central a ser enfrentada é o papel do BNDES, que tem sido o principal incentivador deste modelo poluidor e excludente.
Este quadro só mudará com o aumento da organização da sociedade e de uma tomada de consciência de que é preciso construir um outro caminho, de que é possível uma outra economia, algo como uma Economia da Vida ou Economia da Natureza. As bases desta economia ecológica são: a melhor e mais ampla distribuição dos benefícios do desenvolvimento econômico e a inclusão social com proteção do meio ambiente.

Quais são as alternativas propostas pelos movimentos sociais ao plantio do eucalipto em larga escala? Existe alternativas às monoculturas?
O governo do estado e a maioria dos deputados governistas estão gestando o “ovo da serpente”, pois em função de seus interesses econômicos imediatistas optaram por destinar ao campo fluminense um modelo econômico poluidor, concentrador de terras e da renda, que provocará mais exclusão social e pobreza.Hoje em dia sabemos que as monoculturas, não só de eucalipto mais também de cana (etanol), não geram muitos empregos, porque são atividades bastante mecanizadas.
Como alternativas os governos deveriam destinar recursos, criar incentivos, priorizar a implantação de vários programas e tecnologias menos poluentes já existentes e de conhecimento do conjunto de técnicos experientes da Emater, da Pesagro, do Incra, da Embrapa, bem como apoiar o desenvolvimento de inúmeras teses e estudos que apresentam soluções alternativas e de menor custo financeiro e que poderiam estar sendo aplicadas na área rural em benefício da sociedade.
Várias teses não têm qualquer aproveitamento social, estão adormecidas nas gavetas das universidades públicas e privadas, e nunca tiveram apoio político e recursos financeiros para se desenvolverem de fato. Se concretizadas, poderiam consolidar opções econômicas mais sustentáveis e geradoras de postos de trabalho.
Ao invés do anunciado financiamento de mais de R$ 1 bilhão para a poluidora Aracruz celulose, o governo estadual e a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) deveriam unir esforços com prefeituras e os movimentos da reforma agrária para destinar o montante desta verba para diversos projetos agroecológicos em municípios e regiões diferentes; bem como para executar ações de reflorestamento e recuperação das áreas degradadas e das matas ciliares, o incentivo ao plantio das seringueiras, a produção de biodiesel de forma descentralizada e sob controle dos pequenos agriculturores, a policultura, a agricultura familiar e os assentamentos rurais que são produtores de alimentos para abastecer as cidades, a floricultura, a psicultura, a produção de mel, o turismo rural e de valor histórico-cultural, o ecoturismo, os pólos de ecoesportes, projetos de aqüicultura e pesca, entre outros.
Diversas opções econômicas já foram estudadas e identificadas no Mapa de Solos do Estado do RJ, elaborado pela Embrapa, e comprovadamente contribuem para aumentar a renda do produtor rural, em especial dos pequenos agricultores, além de promover um desenvolvimento econômico com inclusão social e proteção ambiental. Já a monocultura de eucalipto não gera emprego, nem distribui renda e riquezas, é um plantio em larga escala destinado à exportação.
O atual governo, em continuidade às políticas anteriores, vem tentando extinguir, via sucateamento e baixos salários, os órgãos públicos de extensão rural (Pesagro, Emater, Iterj, Fiperj), que têm papel vital de apoio técnico e tecnológico à agricultura familiar e aos assentamentos da reforma agrária. Os funcionários deste setor não têm aumento há quase 10 anos, e falta infra-estrutura básica para atender o produtor rural e as prefeituras.

Quais os próximos passos desta luta?
A Rede Alerta Contra o Deserto Verde e o Fórum Estadual da Reforma Agrária – que congrega os 3 movimentos em atuação no estado do RJ (MST, Fetag e MTL) – , estão unidos e organizados para uma longa luta de resistência que visa denunciar os prejuízos ambientais e sociais que serão provocados com a implantação desta monocultura em nosso estado.
A implantação de monoculturas provoca instabilidade e aumento de conflitos agrários e, portanto, da violência no campo. Nossa tarefa é preparar uma Ação de Inconstitucionalidade (ADIN) para contestar a legitimidade e legalidade da lei da Aracruz por incentivar a monocultura e o latifúndio e ferir o Direito à Precaução reconhecido internacionalmente e na nossa legislação ambiental.
Também realizamos um ciclo de debates em universidades, comunidades e instituições diversas para esclarecer à população e aos consumidores, e para incentivá-los a boicotar desde já aos produtos da Aracruz. Aliás, há uma campanha internacional de boicote aos produtos da poluidora indústria da celulose. Juntos com alguns sindicatos e federações de trabalhadores urbanos vamos confeccionar cartazes e painéis bem grandes com a foto, o nome e o partido de todos os deputados estaduais que compõem a bancada da celulose, do governador Sérgio Cabral e do picareta ex-deputado-secretário Minc e do deputado-secretário de agricultura, Cristino Áureo, com os dizeres “Inimigos da Mata Atlântica e da Biodiversidade, Traidores da reforma agrária”. Todas as autoridades favoráveis ao projeto da monocultura de eucalipto precisarão se explicar para a sociedade e aos eleitores.
Por fim, a Rede Alerta quer agradecer profundamente e de coração à mídia sindical e alternativa que tem sido coerente e corajosa ao fazer este debate de forma democrática, compartilhando os desafios para se construir a solidariedade entre os povos da cidade e do campo.

Sérgio Ricardo, é gestor ambiental e fundador da Rede Alerta Contra o Deserto Verde Fluminense.
E-mail: srverde@uol.com.br
Tel. (21) 9908-2773, 2215-2161
contato@algoadizer.com.br

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