IMPOSTOS EM SÃO PAULO

quarta-feira, 27 de abril de 2016

OS INVOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA - AULA PÚBLICA _ Eduardo Viveiros de Castro


Hoje os que se acham donos do Brasil — e que o são, em ultimíssima análise, porque os deixamos se acharem, e daí a o serem foi um pulo (uma carta régia, um tiro, um libambo, uma PEC) — preparam sua ofensiva final contra os índios. Há uma guerra em curso contra os povos índios do Brasil, apoiada abertamente por um Estado que teria (que tem) por obrigação constitucional proteger os índios e outras populações tradicionais, e que seria (que é) sua garantia jurídica última contra a ofensiva movida pelos tais donos do Brasil, a saber, os “produtores rurais” (eufemismo para “ruralistas”, eufemismo por sua vez para “burguesia do agronegócio”), o grande capital internacional, sem esquecermos a congenitamente otária fração fascista das classes médias urbanas. Estado que, como vamos vendo, é o aliado principal dessas forças malignas, com seu triplo braço “legítimamente constituído”, a saber, o executivo, o legislativo e o judiciário.

Eduardo Viveiro de Castro
Mas a ofensiva não é só contra os índios, e sim contra muitos outros povos indígenas. Devemos começar então por distinguir as palavras “índio” e “indígena”, que muitos talvez pensem ser sinônimos, ou que “índio” seja só uma forma abreviada de “indígena”. Mas não é. Todos os índios no Brasil são indígenas, mas nem todos os indígenas que vivem no Brasil são índios. Índios são os membros de povos e comunidades que têm consciência — seja porque nunca a perderam, seja porque a recobraram — de sua relação histórica com os indígenas que viviam nesta terra antes da chegada dos europeus. Foram chamados de “índios” por conta do famoso equívoco dos invasores que, ao aportarem na América, pensavam ter chegado na Índia. “Indígena”, por outro lado, é uma palavra muito antiga, sem nada de “indiana” nela; significa “gerado dentro da terra que lhe é própria, originário da terra em que vive” [1]. Há povos indígenas no Brasil, na África, na Ásia, na Oceania, e até mesmo na Europa. O antônimo de “indígena” é “alienígena”, ao passo que o antônimo de índio, no Brasil, é “branco”, ou melhor, as muitas palavras das mais de 250 línguas índias faladas dentro do território brasileiro que se costumam traduzir em português por “branco”, mas que se refere a todas aquelas pessoas e instituições que não são índias. Essas palavras indígenas têm vários significados descritivos, mas um dos mais comuns é “inimigo”, como no caso do yanomami 'napë', do kayapó 'kuben' ou do araweté 'awin'. Ainda que os conceitos índios sobre a inimizade, ou condição de inimigo, sejam bastante diferentes dos nossos, não custa registrar que a palavra mais próxima que temos para traduzir diretamente essas palavras indígenas seja “inimigo”. Durmamos com essa. Mas isso quer dizer então que todas as pessoas nascidas aqui nesta terra são indígenas do Brasil? Sim e não. Sim no sentido etimológico informal abonado pelos dicionários: “originário do país etc. em que se encontra, nativo” (ver nota 1, supra). Um colono de 'origem' (e língua) alemã de Pomerode é “indígena” do Brasil porque nasceu em uma região do território político epônimo, assim como são indígenas um sertanejo dos semiárido nordestino, um agroboy de Barretos ou um corretor da Bolsa de São Paulo. Mas não, nem o colono, nem o agroboy nem o corretor de valores são indígenas — perguntem a eles...
Eles são “brasileiros”, algo muito diferente de ser “indígena”. Ser brasileiro é pensar e agir e se considerar (e talvez ser considerado) como “cidadão”, isto é, como uma pessoa definida, registrada, vigiada, controlada, assistida — em suma, pesada, contada e medida por um Estado-nação territorial, o “Brasil”. Ser brasileiro é ser (ou dever-ser) cidadão, em outras palavras, 'súdito' de um Estado 'soberano', isto é, transcendente. Essa condição de súdito (um dos eufemismos de súdito é “sujeito [de direitos]“) não tem absolutamente nada a ver com a relação indígena vital, originária, com a terra, com o lugar em que se vive e de onde se tira seu sustento, onde se 'faz a vida' junto com seus parentes e amigos. Ser indígena é ter como referência primordial a relação com a terra em que nasceu ou onde se estabeleceu para fazer sua vida, seja ela uma aldeia na floresta, um vilarejo no sertão, uma comunidade de beira-rio ou uma favela nas periferias metropolitanas. É ser parte de uma comunidade ligada a um lugar específico, ou seja, é integrar um 'povo'. Ser cidadão, ao contrário, é ser parte de uma 'população' controlada (ao mesmo tempo “defendida” e atacada) por um Estado. O indígena olha para baixo, para a Terra a que é imanente; ele tira sua força do chão. O cidadão olha para cima, para o Espírito encarnado sob a forma de um Estado transcendente; ele recebe seus direitos do alto.

“Povo” só '(r)existe' no plural — povoS. Um povo é uma multiplicidade singular, que supõe outros povos, que habita uma terra pluralmente povoada de povos. Quando perguntaram ao escritor Daniel Munduruku se ele “enquanto índio etc.”, ele cortou no ato: “não sou índio; sou Munduruku”. Mas ser Munduruku significa saber que existem Kayabi, Kayapó, Matis, Guarani, Tupinambá, e que esses não são Munduruku, mas tampouco são Brancos. Quem inventou os “índios” como categoria genérica foram os grandes especialistas na generalidade, os Brancos, ou por outra, o Estado branco, colonial, imperial, republicano. O Estado, ao contrário dos povos, só consiste no singular da própria universalidade. O Estado é sempre único, total, um universo em si mesmo. Ainda que existam muitos Estados-nação, cada um é uma encarnação do Estado Universal, é uma hipóstase do Um. O povo tem a forma do Múltiplo. Forçados a se descobrirem “índios”, os índios brasileiros descobriram que haviam sido 'unificados' na generalidade por um poder transcendente, unificados para melhor serem des-multiplicados, homogeneizados, abrasileirados. O pobre é antes de mais nada alguém de quem se tirou alguma coisa. Para transformar o índio em pobre, o primeiro passo é transformar o Munduruku em índio, depois em índio administrado, depois em índio assistido, depois em índio sem-terra.
E não obstante, os povos indígenas originários, em sua multiplicidade irredutível, que foram indianizados pela generalidade do conceito para serem melhor desindianizados pelas armas do poder, sabem-se hoje alvo geral dessas armas, e se unem contra o Um, revidam dialeticamente contra o Estado aceitando essa generalidade e cobrando deste os direitos que tal generalidade lhes confere, pela letra e o espírito da Constituição Federal de 1988. E invadem o Congresso. Nada mais justo que os invadidos invadam o quartel-general dos invasores. Operação de guerrilha simbólica, sem dúvida, incomensurável à guerra massiva real (mas também simbólica) que lhes movem os invasores. Mas os donos do poder vêm acusando o golpe, e correm para viabilizar seu contragolpe. Para usarmos a palavra do dia, golpe é o que se prepara nos corredores atapetados de Brasília contra os índios, sob a forma, entre outras, da PEC 215.
Os índios são os primeiros indígenas do Brasil. As terras que ocupam não são sua propriedade — não só porque os territórios indígenas são “terras da União”, mas porque são eles que pertencem à terra e não o contrário. Pertencer à terra, em lugar de ser proprietário dela, é o que define o indígena. E nesse sentido, muitos povos e comunidades no Brasil, além dos índios, podem se dizer, porque se sentem, indígenas muito mais que cidadãos. Não se reconhecem no Estado, não se sentem representados por um Estado dominado por uma casta de poderosos e de seus mamulengos e jagunços aboletados no Congresso Nacional demais instâncias dos Três Poderes. Os índios são os primeiros indígenas a não se reconhecerem no Estado brasileiro, por quem foram perseguidos durante cinco séculos: seja diretamente, pelas “guerras justas” do tempo da colônia, pelas leis do Império, pelas administrações indigenistas republicanas que os exploraram, maltrataram, e, muito timidamente, às vezes os defenderam (quando iam longe demais, o Estado lhes cortava as asinhas); seja indiretamente, pelo apoio solícito que o Estado sempre deu a todas as tentativas de desindianizar o Brasil, varrer a terra de seus ocupantes originários para implantar um modelo de civilização que nunca serviu a ninguém senão aos poderosos. Um modelo que continua 'essencialmente' o mesmo há quinhentos anos.

O Estado brasileiro e seus ideólogos sempre apostaram que os índios iriam desaparecer, e quanto mais rapidamente melhor; fizeram o possível e o impossível, o inominável e o abominável para tanto. Não que fosse preciso sempre exterminá-los fisicamente para isso — como sabemos, porém, o recurso ao genocídio continua amplamente em vigor no Brasil —, mas era sim preciso de qualquer jeito desindianizá-los, transformá-los em “trabalhadores nacionais” [2]. Cristianizá-los, “vesti-los” (como se alguém jamais tenha visto índios 'nus', esses mestres do adorno, da plumária, da pintura corporal), proibir-lhes as línguas que falam ou falavam, os costumes que os definiam para si mesmos, submetê-los a um regime de trabalho, polícia e administração. Mas, acima de tudo, cortar a relação deles com a terra. Separar os índios (e todos os demais indígenas) de sua relação orgânica, política, social, vital com a terra e com suas comunidades que vivem da terra — essa separação sempre foi vista como 'condição necessária' para transformar o índio em cidadão. Em cidadão pobre, naturalmente. Porque sem pobres não há capitalismo, o capitalismo precisa de pobres, como precisou (e ainda precisa) de escravos. Transformar o índio em pobre. Para isso, foi e é preciso antes de mais nada separá-lo de sua terra, da terra que o 'constitui' como indígena.
Nós, os brancos que aqui estamos sentados na escadaria da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 20 de abril de 2016, nós nos sentimos indígenas. Não nos sentimos cidadãos, não nos vemos como parte de uma população súdita de um Estado que nunca nos representou, e que sempre tirou com uma mão o que fingia dar com a outra. Nós os “brancos” que aqui estamos, bem como diversos outros povos indígenas que vivem no Brasil: camponeses, ribeirinhos, pescadores, caiçaras, quilombolas, sertanejos, caboclos, curibocas, negros e “pardos” moradores das favelas que cobrem este país. Todos esses são 'indígenas', porque se sentem ligados a um lugar, a um pedaço de terra — por menor ou pior que seja essa terra, do tamanho do chão de um barraco ou de uma horta de fundo de quintal — e a uma comunidade, muito mais que cidadãos de um Brasil Grande que só engrandece o tamanho das contas bancárias dos donos do poder.
A terra é o corpo dos índios, os índios são parte do corpo da Terra. A relação entre terra e corpo é crucial. A separação entre a comunidade e a terra tem como sua face paralela, sua sombra, a separação entre as pessoas e seus corpos, outra operação indispensável executada pelo Estado para criar populações administradas. Pense-se nos LGBT, separados de sua sexualidade; nos negros, separados da cor de sua pele e de seu passado de escravidão, isto é, de despossessão corporal radical; pense-se nas mulheres, separadas de sua autonomia reprodutiva. Pense-se, por fim mas não por menos abominável, no sinistro elogio público da tortura feito pelo canalha Jair Bolsonaro — a tortura, modo último e mais absoluto de separar uma pessoa de seu corpo. Tortura que continua — que sempre foi — o método favorito de separação dos pobres de seus corpos, nas delegacias e presídios deste pais tão “cordial”.
Por isso tudo a luta dos índios é também a nossa luta, a luta indígena. Os índios são nosso exemplo. Um exemplo de 'rexistência' secular a uma guerra feroz contra eles para desexistí-los, fazê-los desaparecer, seja matando-os pura e simplesmente, seja desindianizando-os e tornando-os “cidadãos civilizados”, isto é, brasileiros pobres, sem-terra, sem meios de subsistência próprios, forçados a vender seus braços — seus corpos — para enriquecer os pretensos novos donos da terra.
Os índios precisam da ajuda dos brancos que se solidarizam com sua luta e que reconhecem neles o 'exemplo' maior da luta perpétua entre os povos indígenas (todos os 'povos' indígenas a que me referi mais acima: o povo LGBT, o povo negro, o povo das mulheres) e o Estado nacional. Mas nós, os “outros índios”, aqueles que não são índios mas se sentem muito mais 'representados' pelos povos índios que pelos políticos que nos governam e pelo aparelho policial que nos persegue de perto, pelas políticas de destruição da natureza levadas a ferro e a fogo por todos os governos que se sucedem neste país desde sempre — nós outros também precisamos da ajuda, e do exemplo, dos índios, de suas táticas de guerrilha simbólica, jurídica, mediática, contra o Aparelho de Captura do Estado-nação. Um Estado que vai levando até às últimas consequências seu projeto de destruição do território que reivindica como seu. Mas a terra é dos povos.
Concluo com uma alusão ao nome de uma rua não muito distante desta Cinelândia onde estamos agora. Em Botafogo existe, como vocês todos sabem, a Rua Voluntários da Pátria. Seu nome provém de uma iniciativa empreendida pelo Império em sua guerra genocida (e etnocida) contra o Paraguai — o Brasil sempre foi bom nisso de matar índios, do lado de cá ou de lá de suas fronteiras. Carente de tropas para enfrentar o exército guarani, o Governo imperial criou corpos militares de voluntários, “apelando para os sentimentos do povo brasileiro”, como escreve o verbete da Wikipedia sobre a iniciativa. Pedro II apresentou-se em Uruguaiana como o “primeiro voluntário da pátria”. Não demorou muito e o patriotismo dos voluntários da pátria arrefeceu; logo o Governo central passou a exigir dos presidentes das províncias que recrutasse cotas de “voluntários”. A solução para esta lamentável “falta de patriotismo” dos brancos brasileiros foi, como se sabe, mandar milhares de escravos negros como voluntários. Foram eles que mataram e morreram na Guerra do Paraguai. Obrigados, escusado dizer. Voluntários involuntários.
Pois bem. Os índios foram e são os primeiros Involuntários da Pátria. Os povos indígenas originários viram cair-lhes sobre a cabeça uma “Pátria” que não pediram, e que só lhes trouxe morte, doença, humilhação, escravidão e despossessão. Nós aqui nos sentimos como os índios, como todos os indígenas do Brasil: como formando o enorme contingente de Involuntários da Pátria. Os involuntários de uma pátria que não queremos, de um governo (ou desgoverno) que não nos representa e nunca nos representou. Nunca ninguém os representou, àqueles que se sentem indígenas. Só nós mesmos podemos nos representar, ou talvez, só nós podemos dizer que representamos a terra — esta terra. Não a “nossa terra”, mas a terra de onde somos, de quem somos. Somos os Involuntários da Pátria. Porque 'outra' é a nossa vontade.
* * *
Notas:
1 “A palavra 'indígena' vem do «lat[im] indigĕna,ae “natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria”, derivação do latim indu arcaico (como endo) > latim] clássico in- "movimento para dentro, de dentro" + -gena derivação do rad[ical do verbo latino gigno, is, genŭi, genĭtum, gignĕre "gerar"; Significa “relativo a ou população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador” ...; por extensão de sentido (uso informal), [significa] “que ou o que é originário do país, região ou localidade em que se encontra; nativo”. (Dicionário Eletrônico Houaiss)
2 O primeiro nome do SPI republicano (Serviço de Proteção aos Índios) era SPILTN: Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais. Foi SPITLN de 1910 a 1918, depois só SPI, até virar FUNAI em 1967, ao cabo de uma CPI que revelou uma infinidade de abusos, desmandos, violências variadas, explorações e outras benesses protetoras conferidas pelo Estado.
*Aula pública do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro durante o ato Abril Indígena, Cinelândia, Rio de Janeiro 20/04/2016

domingo, 24 de abril de 2016

CHERNOBIL : O RENASCIMENTO DA VIDA SEM A INTERFERÊNCIA HUMANA

TRAGÉDIA 
Há vida em Chernobil 
Trinta anos depois do maior desastre nuclear da história, a fauna e a flora voltam a prosperar na região do acidente que matou 25 mil pessoas. A conclusão dos cientistas é que o homem era mais nocivo à natureza do que a radiação  É um espetáculo de natureza bonito de se ver. Em meio à vegetação de clima frio, pontuada por neve, alces, veados, corços, javalis e lobos convivem e se reproduzem. Um cenário completamente diferente de 30 anos atrás, quando a região foi palco do maior acidente nuclear civil da história da humanidade, a ponto de afastar todas as pessoas de lá. O desastre de Chernobil matou 25 mil pessoas, fez com que 200 mil deixassem suas casas e transformou a área em um lugar completamente inabitável para humanos. Mas é por causa dele que, hoje, a fauna e a flora prosperam no local. Os níveis de radiação atualmente são 100 vezes menores do que após a tragédia. Só que, ironicamente, os efeitos são menos catastróficos do que quando os próprios homens responsáveis pelo desastre habitavam a região. “É muito provável que a população desses animais em Chernobil seja muito mais numerosa do que antes do acidente”, disse à ISTOÉ Jim Smith, professor de Ciências Ambientais da Universidade de Porsmouth, no Reino Unido, e co-autor de um estudo sobre a região que foi publicado pela revista americana Current Biology. “Isso não significa que a radioatividade é boa para a vida selvagem, apenas mostra que o efeito das atividades humanas, como a agricultura, a caça e a exploração florestal, é muito pior.”
Antes do acidente que tornou a região uma zona de exclusão abandonada pelos humanos, Chernobil – duas cidades e muitas aldeias – tinha uma população de 116 mil pessoas que viviam lá e usavam a área para agricultura, silvicultura, caça e pesca. “A habitação humana e exploração da área teriam tido um efeito sobre todas as espécies, mas particularmente em animais predadores como o lobo, o lince e o urso pardo”, afirma Smith. Segundo o estudo, a primeira vez que linces foram registrados na área de exclusão foi em 1991. “Nos primeiros anos de trabalho na reserva, senti compaixão pelas pessoas que foram forçadas a deixar sua pátria, mas ao longo dos anos, observando a vida selvagem, este sentimento foi substituído por outro. Pensei mais nos animais”, diz Tatyana De Ryabina, co-autora da pesquisa, que passou anos estudando sobre a vida selvagem na área de exclusão. Smith acredita que algumas partes da zona de exclusão podem, um dia, ser habitadas novamente por pessoas e que se isso acontecer a vida selvagem pode ser novamente prejudicada pela presença dos humanos. Atualmente, Smith, Adelaide Lerebours, da Universidade de Portsmouthy, David Copplestone, da Stirling University, e Nel Willey, da University of the West Of England, estão empenhados no programa Environment Research Council “Radioactivity and the Environment”, em que estudam os níveis de radiação e como isso afeta o DNA dos animais, insetos e plantas que habitam Chernobil.

RENASCIMENTO 
Cientistas que estudam a fauna e a flora da região (acima) afirmam que é muito  provável que a população de animais seja muito maior do que antes do acidente

 Ludmilla Amaral (ludmilla@istoe.com.br) 

quarta-feira, 20 de abril de 2016

UM POUCO DE SABEDORIA DE MUNDOS ANTIGOS PARA PENSAR OS TEMPOS DE AGORA


ou
Como aprender algo sobre a sociedade e o poder
através de um arcaico livro chinês[1]

Aqueles que nunca esquecem nem por um momento de ser espertos oprimem inevitavelmente sua natureza essencial. Aqueles que nunca esquecem de manter as aparências, nem sequer em uma caminhada de cem passos, sobrecarregam inevitavelmente seus corpos físicos.
Deste modo, a beleza das penas do pássaro prejudica o esqueleto, a folhagem excessiva dos galhos prejudica a raiz. Ninguém no mundo pode ser excelente nas duas coisas.

Os governantes das sociedades mais recentes não tem acumulado o que é necessário para a vida; eles têm diluído a pureza do mundo, têm destruído a simplicidade do mundo e têm deixado as pessoas confusas e famintas, transformando a claridade em escuridão. A vida é volátil e todos se esforçam loucamente. A honradez e a confiança desapareceram, as pessoas perderam sua natureza essencial, a lei e a justiça contradizem uma a outra.

Os governantes das épocas decadentes extraíam os minérios das montanhas, tiravam os metais e as pedras preciosas, quebravam e poliam conchas, fundiam o bronze e o ferro, e assim nada florescia. Eles abriam a barriga dos animais prenhes, queimavam os prados, destruíam ninhos e quebravam ovos, e assim as fênix não apareciam e os unicórnios não andavam por perto. Eles cortavam árvores para fazer prédios, queimavam bosques para abrir campos e pescavam em excesso, até o esgotamento dos lagos.
Montanhas, rios, vales e desfiladeiros eram divididos e eram colocadas fronteiras neles; o tamanho dos grupos de pessoas era calculado e adaptado a certos números. Máquinas e fortificações eram construídas para a defesa; as cores das roupas eram regulamentadas de modo a diferenciar as classes sociais; os prêmios e as penalidades eram usados para os bons e os indignos. Assim os armamentos se desenvolveram e as lutas surgiram. A partir disso começou o massacre dos inocentes.
Os governantes e o súditos estão em conflito e não em convívio amistoso, enquanto os familiares são afastados e não se mantém juntos. Nos campos, as brotações não perduram, nas ruas não há pessoas caminhando. Areias auríferas são extraídas, pedras preciosas são todas arrancadas, as tartarugas são capturadas por causa de seus cascos e têm seus ventres arrancados. A adivinhação é praticada todos os dias e todo o mundo está desunido. Os governantes locais estabelecem leis incoerentes entre si e costumes que se anulam uns aos outros. Eles arrancam as raízes  e abandonam a base; estabelecem códigos penais que os fazem ser severos e exigentes; lutam com armas, agridem pessoas comuns, matam a maior parte delas. Eles organizam exércitos e criam problemas, atacam cidades e matam por matar, derrubando o que é elevado e colocando em perigo o que é seguro. Produzem grandes veículos de ataque e fortificações redobradas para repelir tropas de combate, e mandam seus batalhões para missões mortais. Contra um inimigo formidável, de cada cem que partem um retorna. Aqueles que conseguem obter uma grande reputação podem obter para si uma parte do território anexado, mas isso custa a morte de cem mil pessoas em combate, além dos números incontáveis de velhos e crianças que morrem de fome e de frio. Depois disso o mundo nunca pode estar em paz em sua vida essencial.
O que está estabelecido para os escalões inferiores não deve ser ignorado nos escalões superiores; o que está proibido para o povo em geral não deve sr praticado pelos indivíduos privilegiados.
Por isso, quando os líderes humanitários estabelecem leis, primeiro eles devem aplicá-las a si mesmos, para testá-las e comprová-las. Assim, se uma regulamentação funcionar para os próprios governantes, ela pode ser aplicada à população.
Aqueles que sabem de onde vêm as leis as adaptam aos tempos; os que não conhecem as origens dos costumes podem obedecê-las, mas no final terminarão no caos (…) Apoiar o que está em perigo e colocar ordem no que está em caos não é possível se não houver sabedoria. No que se refere a falar do passado e citar os antigos, há inúmeros ignorantes que sabem fazer isso. Por isso os sábios não agem com base em leis que sejam inúteis, nem dão atenção a palavras que não comprovaram serem eficazes.

Fragmentos do WEN-TZU – A COMPREENSÃO DOS MISTÉRIOS – ensinamentos de Lao-Tzu
As passagens do texto original foram tomadas de: antecedentes históricos do Wen-Tzu na Tradição Taoísta, escrita pelo compilador e tradutor do original chinês, Thomas Cleary.
Estão entre as páginas 14 e 18 do livro, traduzido por Carlos Cardoso Aveline e publicado pela Editora Teosófica de Brasília, em 2002.
Seleção e cópia de Carlos Rodrigues Brandão




[1]          Eis o que diz a nota 6, da página 13, referente à introdução de Thomas Clearly: um parágrafo acima, Thomas Cleary lembra que o Wen-Tzu foi  supostamente escrito no século 8 AC. Cerca de setecentos anos depois disso temos o século 1 AC como possível data da obra. Cleary afirma em seguida que a obra foi escrita “uns duzentos anos depois da abolição da dinastia Chou”. Uma vez que a dinastia terminou em 256 AC, a obra deve ter sido escrita em meados do século1 AC, na dinastia Han (nota da edução brasileira).

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Lewis Carrol e Alice na oficina de literatua do projeto "continum 2015" Uma experiência

OFICINA DE LITERATURA III  - novembro de 2015

Para contar esta experiência trouxe Lewis Carrol e Alice no País das Maravilha
Odila Fonseca
                                      Januário “O Caipira do Cafézinho
“ Alice  começava a enfadar-se  de estar sentada no barranco junto à irmã e não ter nada o que fazer: uma ou duas vezes espiara furtivamente o livro que ela estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos, - e de que serve um livro - pensou Alice - sem figura nem diálogos?” Lewis Carrol em Alice no Pais das Maravilhas

Foi mais ou menos assim que me senti quando entrei “na toca do coelho”  lá no Centro Cultural Louis Braille, como Alice no Pais das Maravilhas e vendo livros com páginas em branco ,sem figura e nem diálogos. Isso foi em junho durante a preparação do trabalho com artistas para oferecer “figuras e diálogos” no livro da vida deles. Eram entre mulheres, homens e um adolescente dez pessoas que, viriam conviver conosco, durante os próximos cinco meses.     
 


Minha primeira necessidade, por estar coordenando o projeto, foi trabalhar o campo simbólico. Criar um símbolo que representasse valores e virtudes. Eu havia escrito aqui no Blog, o medo que se avizinhava por estar em contato com o desconhecido.
            Na ocasião eu escrevi: - “Shopenhauer na sua especulação do seu pensamento em O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO", fala das  escolhas que podem permitir a nós a liberdade sob a inexorabilidade da vontade. ... E ainda o próprio Shopenhauer, numa fábula do dilema dos Porcos Espinhos, - de que durante o inverno se aconchegavam, mas diante da dor e do incomodo dos espinhos, afastavam -se  para maior conforto (com certeza). Mas ao desconforto do frio tornavam a se aproximar e a experiência é a da dor, novamente. - A estas tentativas de achar um meio termo de distância levou Freud usar esta parábola para escrever Psicologia das Massas e a Análise do Eu e Outros Textos relacionando o dilema do porco-espinho com a nossa sedimentação de sentimentos de aversão e hostilidas nos momentos de intimidade - uma das mais comuns necessidades do ser humano. Por isso , nestas oficinas , tentaremos equilibrar durante estes meses de convivência  a experiência e a possiblidade entre as relações dolorosas e sair de qualquer isolamento desprovido de amorosidade.
Por tanto “Não é de Girassóis que estamos falando”  mas do circulo virtuoso, quando apresentamos o tema AUTORRETRATO para pensar trabalhando o conceito de AUTOR RETRATO. Num design de um pensamento de Rubem Alves o artista criou este autorretrato uma vez que os ipês amarelos transformaram-se no seu símbolo. O artista não copiou o ipê amarelo como o vemos na natureza... mas viu com o que o “pensamento do feio”, ressecado sem vida aparente,no inverno faz com o ipê. Transformar as dores da alma e do coração e da mente em flores ... porque este pode ser o desenho que cada um faz de seu autorretrato. O ipê amarelo enche nossos olhos no inverno quando passeamos pelas matas e caatingas, beira de rios e reascendem o sol de forma intensa... e internamente.

                  

“...E é daí que que na sua sonolência , Alice viu o coelho branco de olhos rosaseos  passar apressado, naquele calor insuportável, mrmurando :
-Aí meu Deus, Aí meu Deus vou chegar muito atrasado! Para ela era natural o coelho estar apressado... mas quando tirou o relógio do bolso do colete e olhou saindo apressado, Alice percebeu que nunca tinha visto um coelho de colete com um relógio no bolso. A curiosidade levou Alice a correr  atras do coelho ,pelos campos, até ve-lo entrar numa grande toca sob a cerca.” Trecho de Odila inspirado em Lewis Carrol.


Entrando na “toca do coelho”, encontrei pessoas interessantes... tinha a sambista, tinha o escultor, tinha o fotógrafo cego mas tinha o fotógrafo  vidente também. Tinha um senhor sério que dava palestra, e conhecia muitas histórias. Foram eles que ilustraram estas histórias enquanto comiam sementes de girassóis e passavam creme de semente de girassóis nas torradas ... e foi lá que conheci:
Uma senhora que parecia rainha,lia um livro sem letras e sem figuras... só com pontinhos . Encontrei um ilustre conhecedor de cinema e cultura também. Ele sentia pelo cheiro o material que eu  tinha levado para uma das oficinas. Foi nesta época que conheci um Gatinho, chamado Dr.Seghatin, que se apressou em saber porque eu via tudo escuro. Todos  ali na Toca do Coelho o chamavam de Leandro. Foi quando Alice perguntou para ele:

-“ Gatinho Seghatin (...) Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?
- Isso depende muito de para onde quer ir - respondeu o Gato.
- Para mim, acho que tanto faz... - disse Alice
- Nesse caso, qualquer caminho serve - afirmou o Gato.
- ... contanto que eu chegue a algum lugar - completou Alice, para se explicar melhor.”

Depois que Alice se foi, aproveitamos os conselhos do Gato Leandro e começamos a nos perguntar onde queríamos chegar. Neste momento foi possível começar a pensar o trabalho. E foi aí que começamos a colocar metas.
1-     Participar das oficinas oferecidas no Centro Cultural Brailler
2-     Todos os trabalhos deveriam apresentar seus resultados no final de ano, numa exposição de arte. 
3-     Mini - Meta: conseguir um público de no mínimo 100 pessoas incluindo familiares
4-     Participar de um concurso literário na Fundação Blumenau, no dia nacional do Braille
Todas as metas estavam fora da Toca do Coelho, por isso tinhamos que despertar e começar a trabalhar.

E assim no dia 14 de dezembro de 2015 conseguimos expor nossas metas alcançadas, com seus resultados

      
  
Conceitos e Valores:
Um entendimento do que é um AUTORRETRATO para si
“Nós só nos reconhecemos como indivíduos, quando nos vemos no espelho ou numa fotografia A possibilidade de uma pessoa cega fazer seu próprio auto retrato é, acima de tudo recuperar a consciência de auto pertencimento, de ser um Indivíduo Daí, quando volto a ser somente eu, posso decidir qual História devo, quero ou posso contar A autoria do Retrato, traz a autoria da própria vida”  Emmanuelle Garrido Alkmin dezembro de 2015 Paço Municipal-Campinas

Bibliografia:
BÖRÖCZ, Bálaz; Selfportraits; Portfólio dez anos de construção; 2003/2013 http://www.balazsborocz.com/en/works/1/selfportraits   Local de publicação: Hungria
MACHADO,  Isabel Pitta. LEITURA  COMENTADA DA CARTA  SOBRE OS CEGOS- Diderot. Disponível em  http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais15/Sem10/isabelmachado.htm
Programa Educativo Públicos Especiais;Pinacoteca do Estado de São Paulo. Esculturas selecionadas e Obras selecionadas do acervo, 2006; Volume 1 e 2;em Braille VILELA, Ivan. Cantando a Própria História –Editora USP;2015.