IMPOSTOS EM SÃO PAULO

quinta-feira, 14 de março de 2013

EPIGENÉTICA , AMBIENTE E GENOMA

EPIGENÉTICA Moshe Szyf

Agência FAPESPUm dos primeiros cientistas a sugerir que os hábitos de vida e o ambiente social em que uma pessoa está inserida poderiam modular o funcionamento de seus genes foi Moshe Szyf, professor de Farmacologia e Terapêutica da Universidade McGill, no Canadá.
Szyf também foi pioneiro ao afirmar que essa programação do genoma – que ocorre por meio de processos bioquímicos batizados de mecanismos epigenéticos – seria um processo fisiológico, uma espécie de resposta adaptativa ao ambiente que começa ainda na vida uterina. Entre os mecanismos epigenéticos conhecidos, o mais comum e o mais estudado por Szyf é a metilação do DNA, que ocorre quando um conjunto de partículas de hidrogênio e carbono se agrupa na base de alguns genes e impede que eles se expressem. Embora o processo seja fisiológico, pode se tornar patológico quando acontece no contexto errado. Por exemplo, quando os genes que deveriam nos proteger contra o câncer são desligados. Pesquisas realizadas pelo grupo de Szyf e colaboradores nos últimos anos mostraram que o padrão de metilação do DNA pode ser alterado por fatores como a qualidade do cuidado materno nos primeiros anos de vida ou a exposição a maus-tratos na infância, criando marcas epigenéticas que perduram ao longo da vida.
Os resultados de alguns desses estudos foram apresentados por Szyf durante o Simpósio Internacional Integração Corpo-Mente-Meio, realizado na sede da FAPESP no dia 12 de março, em parceria com a Natura.
Em um trabalho de 2004, feito com o neurocientista Michael Meaney, também da Universidade McGill, foram comparados dois grupos de ratas: aquelas que tinham recebido lambidas frequentes de suas mães quando ainda eram bebês e aquelas que não haviam recebido cuidados maternos. Os resultados mostraram que os animais lambidos pelas mães se tornaram adultos mais tranquilos. Isso porque o amor materno alterou os níveis de metilação nas regiões do hipocampo que regulam o gene do receptor de glicocorticoides, ou seja, alteraram a regulação dos níveis de hormônios do estresse durante toda a vida adulta. Para mostrar que essa lógica se aplicava também a humanos, os pesquisadores da McGill se associaram ao Instituto Universitário de Saúde Mental Douglas, também do Canadá, e ao Instituto de Ciências Clínicas de Cingapura, para analisar cérebros de vítimas de suicídio.
Por meio de seus históricos médicos e de entrevistas com familiares, foi possível identificar entre os suicidas aqueles que tinham sofrido abuso severo durante a infância – seja verbal, sexual ou físico.
Os pesquisadores viram que nesse grupo que teve uma infância difícil os genes que regulam os receptores de glicocorticoides estavam 40% menos ativos quando comparados aos dos suicidas que não sofreram abuso e também quando comparados aos do grupo controle (pessoas que morreram por outras causas, como acidentes de carro).
Os resultados sugerem, portanto, que o abuso infantil deixou essas pessoas mais sensíveis aos danos causados pelo estresse no cérebro; eles foram publicados em 2009 na revista Nature Neuroscience.
Em outros estudos apresentados durante o evento, o cientista mostrou que o padrão de expressão dos genes também pode ser influenciado pela condição socioeconômica na infância e pelo estresse vivenciado pela mãe durante a gestação.
“O avanço no conhecimento sobre a relação entre o ambiente e o genoma ajuda a combater o determinismo genético, ou seja, aquela ideia de que, se você nasce com genes da inteligência, você será inteligente, e se você nasce com genes saudáveis, você será saudável, não importa o que você faça a respeito. Isso coloca mais peso em nossas escolhas. Mostra que temos controle enquanto pais, enquanto formuladores de políticas públicas e enquanto sociedade. Isso pode definir novos modelos para políticas públicas”, disse Szyf à Agência FAPESP.
Para o pesquisador, muitas coisas na prática médica e no cotidiano têm sido feitas sem levar em conta as consequências disso no futuro, mas o avanço no conhecimento sobre a epigenética deve mudar a atitude das pessoas. “Quando eu era um jovem pai, a ideia predominante era deixar a criança chorar para ela aprender a se virar sozinha. Hoje não fazemos isso porque temos medo do estresse que isso vai causar e de suas consequências. Da mesma forma, temos feito fertilização in vitro, barriga de aluguel, cesarianas desnecessárias sem pensar muito sobre as consequências disso para a criança. Precisamos começar a avaliar o custo-benefício e tomar decisões conscientes, com base em informações”, defendeu.
No campo da medicina, a epigenética traz outras implicações importantes. Uma delas é a possibilidade de identificar biomarcadores que permitam identificar a população mais vulnerável a desenvolver doenças como câncer, infarto, pressão alta ou transtornos mentais.
“O maior desafio é encontrar formas de intervir antes que os sinais clínicos apareçam e a situação se deteriore. Por isso, é tão importante entender o que torna as pessoas vulneráveis. Esse conhecimento também vai nos guiar quanto ao tipo de intervenção mais adequada”, disse.
No rol das intervenções epigenéticas possíveis, afirmou Szyf, estão as drogas capazes de reverter as alterações no padrão de expressão dos genes – algo que já é feito na área de oncologia e começa a ser testado na área psiquiátrica. Intervenções epigenéticas podem ser feitas também por meio de psicoterapia ou de políticas públicas que promovam a mudança do comportamento. “A grande revolução virá quando aprendermos como nos comportar para atingir o mesmo efeito que as drogas são capazes de promover. Descobrir como intervir no sistema de forma que se possa reverter adaptações epigenéticas adversas unicamente pelo comportamento”, afirmou.
Parceria entre FAPESP e Natura
O Simpósio Internacional Integração Corpo-Mente-Meio também contou com a participação do professor Paul Rozin, da Universidade da Pennsylvania (Estados Unidos), que falou sobre as perspectivas na área de Psicologia Positiva – definida como o estudo das forças e virtudes que permitem aos indivíduos e às comunidades prosperar.
Também participaram os brasileiros Silvia Koller, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mirian Galvonas Jasiulionis, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Edson Amaro Júnior, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Respectivamente, eles apresentaram o cenário nacional das pesquisas em Psicologia Positiva, Epigenética e Neurociências.
Segundo o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, as discussões do evento vão embasar a elaboração de um edital que será lançado pela Fundação e pela Natura para a criação de um ou mais centros de pesquisa nos moldes do CEPID (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão), caso em que o financiamento pode durar até dez anos.
“Queremos aprender mais sobre os desafios relacionados a esses temas para que possamos definir como será o financiamento, qual é a melhor forma de montar a armadilha para o conhecimento e obter bons resultados. Nem sempre é simples acertar o relacionamento entre as pessoas das universidades e as pessoas das empresas. Sempre há objetivos não convergentes. Nossa tarefa é achar as convergências possíveis”, afirmou Brito Cruz.
Além do diretor científico da FAPESP, também participou da abertura do evento o diretor de Ciência e Tecnologia da Natura, Victor Fernandes. "Estamos aqui tentando entender qual é a interface científica entre três ciências muito relevantes: Neurosciência Comportamental, Psicologia Positiva e Epigenética. O objetivo é entender como o comportamento e o cotidiano influenciam o comportamento biológico e, em cima disso, buscar oportunidades de fomento à ciência e à inovação", destacou.

segunda-feira, 11 de março de 2013

A NATUREZA DA PRESERVAÇÃO



CÉLULAS DA PRESERVAÇÃO - AS MÃES
Agência FAPESP – Na natureza há diversas espécies (além da humana) que realizam ações altruístas para garantir a sobrevivência de suas proles. Alguns exemplos extremos são os ursos polares fêmeas – que ganham até 200 quilos durante a gestação e passam por um jejum nos oito primeiros meses de vida de seus filhotes, de modo a prover um leite rico em gordura. Ou as “mamães” aranhas, da espécie Stegodyphus, que permitem que seus rebentos a matem para lhes servir de alimento. Um estudo publicado na revista Science, realizado por um grupo internacional de pesquisadores, do qual participaram dois brasileiros, revelou que as menores porções de matéria viva – as células – também fazem sacrifícios para assegurar a continuidade de suas futuras gerações. Os pesquisadores constataram que durante o processo de divisão celular (mitose) – pelo qual uma célula “mãe” se divide para dar origem a uma célula “filha” – a célula “materna” fornece muito mais mitocôndrias (estruturas internas essenciais para a sobrevivência de qualquer vida celular) para sua “cria” do que se esperaria pela razão entre os volumes delas – a célula filha é menor do que a célula mãe. A descoberta sugere a hipótese de que, tal como na natureza, as células mães se sacrificariam para aumentar as chances de sobrevivência de suas filhas. “Essa constatação é inédita e contraria a intuição de que as mitocôndrias são divididas de forma proporcional à densidade [volume] das células mães e das células filhas. Elas quebram essa regra”, disse Luciano da Fontoura Costa, professor do Departamento de Física e Informática do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, e um dos autores do estudo. Costa é um dos pesquisadores principais de um Projeto Temático, realizado com apoio da FAPESP, coordenado pelo professor Roberto Marcondes Cesar Junior, do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, e realiza um projeto de pesquisa no âmbito do acordo da FAPESP com a Universidade de York, do Reino Unido. O pesquisador foi orientador da iniciação científica, do doutorado e do pós-doutorado – todos realizados com Bolsa da FAPESP – de Matheus Palhares Viana, o segundo pesquisador brasileiro participante do estudo. Viana atualmente faz pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Irvine no grupo da pesquisadora Susanne Rafelski – a primeira autora do trabalho, com o professor Wallace Marshall, da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos. O estudo também contou com a participação de pesquisadores da Universidade de Pequim, na China. Para estudar o processo de transferência de mitocôndrias entre as células, os pesquisadores usaram leveduras Saccharomyces cerevisiae – comumente utilizadas na produção de pão e de cerveja. Por meio de sofisticadas técnicas de microscopia, a equipe internacional – liderada por Marshall e Rafelski – captou imagens das células das leveduras em um microscópio confocal (fluorescência) e promoveu um processo de fatiamento óptico das mitocôndrias presentes nelas, nas quais as estruturas são fragmentadas em diversos pedaços, como peças de um quebra-cabeça. Por meio de métodos de computação específicos para o processamento de imagens – desenvolvidos inicialmente durante outro Projeto Temático, realizado com apoio da FAPESP, do qual Costa também participou –, o pesquisador e Viana juntaram as “fatias” das mitocôndrias, fizeram a reconstrução tridimensional (em 3D) das estruturas e a representaram na forma de redes (grafos). Dessa forma, conseguiram reproduzir em detalhes e medir o tamanho físico das redes mitocondriais – que tendem a diminuir continuamente ao longo das gerações sucessivas das células. Os pesquisadores observaram que, no caso das células de levedura, no entanto, o tamanho da rede mitocondrial aumentava com o crescimento das células, e que essa relação de escala ocorria, principalmente, pela raiz. “Se as mitocôndrias fossem divididas aleatoriamente e a densidade das células fosse mantida constante, esperava-se encontrar menos mitocôndrias nas células filhas do que nas células mães. O que se descobriu nesse trabalho é que a célula mãe dá mais mitocôndrias do que se esperava para a célula filha”, disse Costa à Agência FAPESP. De acordo com os pesquisadores, em vez de as leveduras “mães” fornecerem quantidade suficiente de mitocôndrias para seus descendentes, de forma a garantir sua própria sobrevivência, elas transferiam muito mais organelas do que o necessário, mesmo à custa de suas vidas. A maioria delas começou a morrer passadas dez gerações. Já formas mutantes de leveduras, muito mais “avarentas” para fornecer suas mitocôndrias às futuras gerações, viveram por muito mais tempo.

Abordagem complementar
Segundo Costa, a descoberta desses mecanismos de divisão poderá ser estendida para outros organismos e tecidos. As células-tronco humanas e algumas células cancerosas, por exemplo, muitas vezes se dividem em duas células que se parecem e se comportam de forma muito diferente. Em função disso, na opinião do pesquisador, estudos de biologia de sistemas como o que realizaram – que usam abordagens de ciências exatas, como métodos quantitativos de matemática, física e computação, e vão além da análise molecular – complementam a pesquisa em genética. De acordo com Costa, as pesquisas sobre o genoma – hoje feitas em maior escala do que os estudos de biologia molecular – são insuficientes para entender um organismo como um todo porque diversos genes não são expressos, por exemplo.
“Os genes, em princípio, indicam como construir uma proteína, por exemplo. Mas o fato de se ter um gene não significa dizer que o organismo vai ter esta determinada proteína expressa”, disse.

“Existe todo um controle na maquinaria celular que determina se essa proteína será expressa ou não. E esse controle, inclusive, depende da geometria do embrião e se já foram formados certos tecidos e estruturas anatômicas que são usados como sinalização para expressão de genes e servem como andaimes para construir o resto de um organismo”, disse Costa. O artigo Mitochondrial network size scalling in building yeast (doi:10.1126/science.1225720), de Luciano da Fontoura Costa e outros, pode ser lido em www.sciencemag.org/content/338/6108/822.full.




11/03/2013 Por Elton Alisson