IMPOSTOS EM SÃO PAULO

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

NAS ÁGUAS DOS RIOS EU VOU.... PROJETO QUER DESCOBRIR AS CENTENAS DE RIOS QUE SÃO PAULO ENTERROU - Cidade Azul Rio Verde / Blue City Verde River




O que é? O Cidade Azul é uma ideia que foi colocada em prática em uma semana para trazer a tona uma parte de São Paulo que estava enterrada há muito tempo. Para fazer com que o cheiro, o som e o frescor originais das centenas (sim, é isso mesmo) de rios que cortam a cidade cheguem ao maior número de pessoas possível, o projeto começou com uma série de áudio guias, mas esse é só o começo.
Águas aprofundadas
O mapa que ilustra o Cidade Azul mostra uma extensa malha de rios que correm por baixo da cidade é algo impossível de “desver”, mas difícil de assimilar. Uma vez que você fica sabendo que um recurso tão fundamental quanto a água sempre esteve presente, bem embaixo dos seus pés e a no máximo 300 metros de profundidade, não tem como continuar a olhar o ambiente artificial que criamos aqui do mesmo jeito. O objetivo do projeto é impactar as pessoas espalhando evidências que esses rios existem e correm por lugares onde não antes não era considerada nem a possibilidade de um dia eles terem existido, ao ponto de elas se sentirem estimuladas a passar essa informação adiante. Para que isso funcione, a proposta do Cidade Azul é oferecer uma experiência sensorial como um atalho para a uma mudança da percepção que temos do ambiente urbano.


Denis Russo Burgierman foi impactado pela presença inibida dos rios paulistanos quando escreveu sobre o assunto para o Isso não é normal. O jornalista conta que passou os últimos anos explorando locais estranhos da cidade, como becos e ruas sem saída que foram desenhados seguindo os caminhos dos rios. O Beco do Batman, por exemplo, é um desses lugares que só existem porque os moradores construíram suas casas de costas para o Rio Verde. Seu envolvimento com o assunto levou Barbara Soalheiro, fundadora da Mesa e Cadeira, a convidá-lo para fazer parte da equipe que colocaria o projeto na rua em cinco dias, seguindo o método de “aprender fazendo” praticado na empresa. A iniciativa de começar o projeto partiu da Carolina Ferrés, que já também já havia trabalhado com o tema quando desenvolveu o Viva o Rio Pinheiros. A dupla Luís de Campos Júnior e José Bueno, do Rios e Ruas, também foi chamada devido ao seu histórico de envolvimento com a malha fluvial de São Paulo. Além deles, participaram dessa etapa inicial profissionais de diferentes especialidades que auxiliaram na criação do site, o logo, o nome e o áudio guia, que foi gravado sob um edredom usado para isolamento sonoro.
A gente acha que tem um poder essa caminhada, de mudança, de entender a dinâmica da cidade. No momento que a gente conseguir convencer todo mundo a querer esses rios, aí a gente vai pensar em políticas públicas.
Denis Russo Burgierman
O roteiro sugerido pelo áudio guia, o primeiro de uma série, segue o caminho do Rio Verde sugerindo que o ouvinte preste atenção nos sinais da presença das suas águas correndo pela região da Vila Madalena. Intervenções com lambe-lambes e tinta azul também foram feitas para incentivar as pessoas que passam por ali a também seguir o percurso do rio. Depois de fazer o áudio guia, eles usaram as redes sociais para juntar gente que quisesse passar por essa experiência e gravaram o vídeo abaixo.Outra cidade onde os rios escondidos pela infraestrutura urbana estão passando por um processo de recuperação e descoberta é São Francisco, nos EUA. O projeto Ghost Arroyos também busca chamar a atenção para as águas esquecidas que cruzam o centro do município traçando suas linhas sinuosas sobre o asfalto e espalhando auto-falantes pelo caminho com sons fluviais e histórias contadas por habitantes locais. Entender a cidade de outro jeito faz parte do processo que o Cidade Azul quer desencadear a partir da descoberta daquilo que abrimos mão em nome da ideia de desenvolvimento urbano vigente que via os rios como obstruidores do seu progresso. Mas isso é só a primeira etapa. O projeto pretende fazer com que os rios corram novamente livres e limpos, integrando e transformando a paisagem urbana.
É um projeto de longuíssima duração, queremos descobrir os rios agora no sentido figurado e depois no sentido literal. Parece impossível, mas eu acredito que é inevitável.
Denis Russo Burgierman
Uma campanha de arrecadação de recursos para viabilizar as próximas ações do Cidade Azul está atualmente em busca de apoiadores no Catarse. Cada uma das seis pessoas que participam ativamente do projeto está trabalhando em uma tarefa. Carolina, por exemplo, está cuidando da divulgação e acaba de voltar de Austin, onde a iniciativa foi finalista da competição Place by Design no SXSW Eco 2015. Denis está escrevendo o roteiro de um longa metragem e Paula Dib está mais envolvida com o crowdfunding. O plano é que até o final do ano mais um áudio guia seja finalizado e enquanto isso o Cidade Azul também já está articulando a reintegração de seis rios que estão mais próximos de voltar a fazer parte da cidade. Também há parcerias pontuais, como a produção do áudio guia do rio Itororó, que tem apoio da Red Bull, e um outro trabalho que está sendo feito em conjunto com a atual administração do Mirante 9 de Julho. O sonho final seria trazer esses cursos d’água à tona. Transporte sobre as águas, ciclovias acompanhando o curso dos rios e jardins são algumas das possibilidades trazidas por esse “destampamento”. A crise hídrica fez muita gente perceber a importância da água e ver que os rios não são apenas acidentes geográficos que precisam ser remendados para comportar a expansão da cidade. É um bom momento para trazê-los de volta para as conversas sobre São Paulo e, quem sabe, não nasce aí uma vontade de vê-los correr de novo, com vida, cheiro e som.
20 DE OUTUBRO DE 2015 Cidade Azul Rio Verde / Blue City Verde River

domingo, 4 de outubro de 2015

ISOLADOS OU LIVRES? BRAVOS OU FELIZES

 CARTA DO SÍTIO : por Carlos Rodrigues Brandão, antropólogo

"Estou vindo do Congresso Brasileiro de Agroecologia, em Belém do Pará. Éramos mais de 3500 pessoas, entre índios, negros quilombolas e brancos acadêmicos. Um dos temas tratados com longa seriedade foi o dos territórios populares, Neste campo uma fala do Alfredo Wagner foi muito esclarecedora. E os depoimentos de indígenas, quilombolas, povos da floresta, militantes dos movimentos dos sem-terra e camponeses orgânicos constituíram o melhor do Congresso.  Nós chegamos com nossas teorias. Eles com os dramas de suas vidas. Bem-vindos os congressos e semelhantes em que as vozes vindas da terra dialogam com as que chegam das universidades. 
Um dos temas tratados de passagem foi a dos “índios isolados”, “índios arredios”, “índios brabos”, e outros nomes que nós, brancos da cidade e os índios integrados damos a eles.  Serão mais de 90 povos habitantes da floresta. Crianças que nunca terão visto uma boneca (sobretudo uma Barbie), e nem um i-ped. Mulheres e homens que pouco sabem, ou nada sabem de nós... os outros. E, se sabem, será que terão de nós o mesmo imaginário mítico que nós temos dos supostos ETs. Seres que, se existem,  imaginamos que habitarão algum território estelar muito distante desta pequenina poeira no Cosmos, a quem damos o nome de Planeta Terra? A recente descoberta da NASA a respeito da existência de “água salgada” em Marte foi um dos mais impactantes anúncios da Mídia nos últimos dias. E eu fico imaginando que neste tempo em que estendemos caríssimos aparatos aos domínios distantes do Universo,em busca do retorno de uma única mensagem que nos anuncie que não estamos sozinhos, temos, aqui mesmo no Brasil, inúmeras gentes, famílias, povos, etnias de quem nada sabemos. E lhes damos nomes como “arredios”, “isolados”, “brabos”. Mas... “arredios quem? cara pálida?” E nos pomos a discutir o que seria melhor para “eles”. Nós que separamos de nosso território porções enormes de “reservas naturais” para a manutenção intocada de plantas e de animais, porque não ousaremos fazer o mesmo em nome dessa gente ainda sem um nome (nosso)? Conversamos no Congresso em Belém sobre o sofrimento de pessoas, famílias e comunidades expulsas de suas terras, não pela voragem do agronegócio, mas porque seus belos territórios ancestrais foram demarcadas como “parques” ou “reservas naturais”.  Isto é, territórios onde dos cenários da vida um único ser vivo não pode estar presente... o ser humano.  E não são poucos os territórios naturais onde povos ancestrais lutam pelo direito de ali permanecerem em “reservas extrativistas”. Afinal, uma só empresa de pasto-de-gado ou de plantio-de-eucaliptos (desertos verdes) destrói mais “natureza” em um ano do que uma comunidade indígena, quilombola ou camponesa em toda uma existência. Que a lembrança da presença, entre nós e longe de nós, destas comunidades de “índios livres” (de nós) nos ajude a abri o coração, a mente e  o imaginário. Que a notícia de suas simples existências “no coração da floresta”  (intacta até hoje... lá onde eles vivem) nos ajude a pensar se somos nós quem devemos ir a eles para ensinar alguma coisa, ou se devemos esperar que eles venham, quando e como quiserem, a nós, para nos ensinar sobre como conviver com a Vida sem precisar destruí-la para viver.
Carlos Brandão
Rosa dos Ventos."