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terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ismar Soares e a educomunicação nas corporações


Por Ademir Veroneze
A distância entre a prática em sala de aula e os meios de comunicação intrigou o jornalista e pesquisador Ismar Soares, professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Foi por conta disso que começou a estudar o conceito de educomunicação.Em entrevista ao Nós da Comunicação, Ismar explica como o método pode auxiliar na criação de culturas inovadoras, até mesmo dentro das empresas, com participação de todos os envolvidos no fluxo da informação.
Confira abaixo os principais trechos da conversa com o professor.
Nós da Comunicação – A educomunicação pode ser aplicada nas empresas?
Ismar Soares – As empresas têm entrado no mundo da educação por meio da educação corporativa – que esteve muito próxima da área de RH –, com cursos de formação continuada ou, às vezes, de formação específica, em função de determinada necessidade de capacitação dos funcionários. Em geral, as empresas optam por um tipo de comunicação tradicional, que é a instrução: o educador é chamado de instrutor e a empresa adota a perspectiva parecida com a estrutura bancária, isto é, a de transferir conhecimentos para que o aluno, no caso, um funcionário, vá se adequando cada vez mais ao perfil que a empresa necessita.
A educomunicação não tem muito a ver com essa perspectiva tradicional porque parte do princípio que o aprendiz é um criador, um inovador, e pode colaborar no processo educativo. Ela não é realizada plenamente devido à existência de hierarquia e expectativa estabelecidas pelas empresas com relação ao comportamento dos funcionários. O que se pode dizer é que há procedimentos que se aproximam do campo educomunicativo. Já é uma prática corrente entre as empresas realizar ou patrocinar algum trabalho educomunicativo nas comunidades. Então, há dois extremos relacionados às empresas. Internamente, existe a comunicação tradicional, ainda que usando instrumentos inovadores. Por outro lado, pode-se encontrar nelas apoio a projetos educomunicativos que atuam com o público externo.
Defendo a hipótese de que as empresas repensem seus processos educativos, e que por meio do uso de instrumentos inovadores, como a internet, também se aproximem das práticas educomunicativas. É uma negociação que pode ser feita na medida em que a empresa esteja aberta para um diálogo cultural, permitindo que os funcionários escolham metodologias de trabalho e tenham espaço para expressões culturais.
Nós da Comunicação – Qual a expectativa que, geralmente, as empresas têm de seus processos de comunicação?
I. S. – As empresas, em geral, têm uma expectativa com relação à comunicação instaurada há muitos anos, desde a criação da área de relações públicas, em que se estabelecem padrões bastante rígidos nas formas de comportamento dos empregados. E, quando se faz uma investigação, são esses os parâmetros que acabam orientando os pesquisadores. Na perspectiva educomunicativa, para saber, por exemplo, o grau de satisfação dos empregados numa empresa, a pesquisa vai por uma direção mais aprofundada, de caráter antropológico. Procura descobrir qual é a cultura do trabalhador, qual a classe social dele, quais costumes sua família tem, qual o tipo de expressão cultural é próprio de sua família e o que consomem com relação à mídia, entre outros fatores. Nesse caso, a educomunicação busca os elementos culturais que compõem aquele ecossistema comunicativo que envolve o funcionário com a empresa. Também investiga a cultura da empresa. Quais tipos de cultura os fundadores da empresa têm? Quais objetivos eles colocam? Daí, tenta identificar o que estaria unindo o grupo chamado capital e o grupo de trabalho. Quais sonhos e desejos? Quais elementos culturais estariam linkando esses dois elementos que compõem a sociedade empresarial? É com base no chamado elemento de mediação cultural estabelecido entre as pessoas que especialistas em gestão da comunicação estariam propondo projetos. O avanço pode ser propiciado com a contribuição para esse universo na área da pesquisa. Mas é necessário um processo de construção para cada empresa, porque não existe receita pronta para todas.
Nós da Comunicação – Quais iniciativas significativas estão sendo realizadas atualmente?
I. S. – Estão sendo realizadas atividades significativas à medida que o setor empresarial está descobrindo a ação de organizações sociais voltadas para o campo da educação pela comunicação. Algumas ONGs, como a Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo, e a Cipó, na Bahia, têm o apoio de empresas cujos especialistas e líderes trabalham com o conceito de gestão participativa e, olhando para sociedade, identificam a melhor forma de encarar o problema da educação não-formal. As empresas têm cumprido um papel substancial porque essas organizações não vingariam caso não contassem com o apoio delas. Nesse sentido, também é importante a criação de redes que unem educomunicadores, como a Rebea (Rede Brasileira de Educação Ambiental), a CEP (Comunicação, Educação e Participação) e a GIP (Gerência de Informática Pedagógica) da Fundação para o Desenvolvimento da Educação. A discussão em torno do modo mais adequado de apoiar programas com caráter educomunicativo evolui com muita rapidez no âmbito das empresas.
Nós da Comunicação – Podem ser consideradas iniciativas de educomunicação blogs, rádios e tvs corporativas, em que os empregados aprendem a produzir conhecimento e a transmiti-lo de várias maneiras?
I. S. – Existem dois pontos de vista a respeito dessa questão. O primeiro é deixar o funcionário descontraído para que produza mais. É criado, então, um ambiente mais adequado para que o funcionário se manifeste em termos culturais dentro dos próprios parâmetros preestabelecidos pela empresa. Por outro lado, isso tem sido usado como marketing social. A educomunicação pressupõe, como princípio ético, a possibilidade de os funcionários poderem, até mesmo, identificar problemas na empresa e manifestar suas opiniões com liberdade de expressão. Se as ações que forem realizadas estiverem contemplando essa possibilidade de realização humana, estarão caminhando em direção à educomunicação.
Nós da Comunicação – De que forma a educomunicação pode contribuir para uma cultura inovadora?
I. S. – Essa pergunta sobre comunicação tem de ser precedida de que tipo de comunicação está se falando. Se for sobre a tradicional, trata-se de uma comunicação hierarquizada. Quando se fala de educomunicação, refere-se a uma comunicação com coeficiente ideológico e cultural mais acentuado.
Vivemos hoje na era da informação, da internet, e precisamos rever os métodos que calcam a renovação pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação. Antes disso, porém, teríamos que repensar as relações sociais, que certamente serão enriquecidas pelo uso dessas tecnologias, ampliando o que chamamos de coeficiente comunicativo. Se a tecnologia melhorar o coeficiente comunicativo do professor, do aluno em sala de aula, do empresário e do trabalhador em uma empresa, está se produzindo uma nova sociedade, com mais plenitude de vida. O que nós não precisamos, hoje, é de reproduzir a atual sociedade com ferramentas novas.
A inovação está no reconhecimento de uma comunidade dialogante, proposta criada nos anos 30 e reforçada por Paulo Freire, que fala da educação popular como participativa. Pensamos também em pessoas como o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que introduziu a internet no meio popular no Brasil. Então, a inovação vem da discussão das relações comunicativas, por exemplo, se é possível para a comunicação empresarial prever o uso ou as práticas educomunicativas. A educomunicação contribui para uma cultura inovadora na medida em que coloca um problema para o sistema educacional, o da relação aluno/professor ou da escola/comunidade. A primeira questão que se impõe é se o aluno é considerado fator de cultura e tem condições de se expressar efetivamente por meio do uso das linguagens oral e tecnológica. Em segundo lugar, vem a consideração da gestão democrática da comunicação na escola.

SAIBA MAIS:
Educomunicação ou comunicação educativa?
Uma diferença de pontos de partida faz com que essas expressões não sejam sinônimas. A comunicação educativa parte do caso em que os meios de comunicação podem dar suporte ao processo educativo, fornecendo conteúdos didáticos, por exemplo, ao ilustrar um tema utilizando um documentário. De forma um pouco mais abrangente, poderia também envolver os procedimentos aplicados em sala de aula que contribuam para a construção da imagem de 'bom professor', ou seja, um professor comunicativo.
Já a educomunicação, concebe a aprendizagem como fenômeno que envolve a interação de uma comunidade composta por aluno, professor, família e mídia. Reconhece um sujeito midiático que, além de receptor de mídia, é também produtor de conhecimento e de informação ao criar seu blog, ao fazer um programa de rádio, ao escrever o próprio jornal e ao elaborar poesia, música e peças de teatro.strong>
A educomunicação é um conceito recente no meio acadêmico. Foi usado, ocasionalmente, nos anos 80 pela Unesco com o objetivo de designar a atividade de educação para uma recepção crítica das mensagens midiáticas. O Núcleo de Comunicação e Educação da USP passou a usá-lo, a partir de 1999, para designar um conjunto de atividades voltadas para a construção de ecossistemas comunicativos abertos, criativos e democráticos em espaços educativos, sejam formais ou não-formais, seja no âmbito das escolas, dos centros culturais ou mesmo das empresas. A educomunicação exige um profissional com sólidos conhecimentos na área de educação, assim como na de gestão de processos comunicacionais

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