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Leonardo Bofff |
"Todo o tempo em que
ficar devastada, a Terra descansará pelos sábados que não
descansou quando nela habitáveis” (Lev. 26,33-35).
Achamos muito oportunas as reflexões do autor - Waldemar
Boff, formado em filosofia e sociologia nos Estados Unidos, e que anima o SEOP (Serviço
de Educação e Organização Popular) na Baixada Fluminense - que desenvolve
atividades ecológicas voltadas para pequenos produtores rurais junto ao rio
Surui, na Baixada Fluminense. "Eis seu texto: "Ninguém sabe ao certo o dia
e hora. É que já estamos no meio dela, sem notarmos. Mas que está vindo, está,
cada vez com mais intensidade e nitidez. Quando acontecer a grande virada, tudo
vai parecer como se fosse de surpresa".
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Porcentagem de Culpa dos humanos |
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fonte IPCC = 95% |
Embora haja dados seguros que apontam a inevitabilidade das mudanças globais devidas ao clima, com conseqüências que os cientistas tentam adivinhar, mas que seguramente serão para o pior, os interesses econômicos das grandes nações e a falta de visão a longo termo de seus líderes, não lhes permitem tomar as medidas necessárias para mitigar os efeitos e adaptar seu modo de vida ao estado febril da Terra. Poderíamos imaginar um cenário plausível em que furacões varrerão regiões inteiras. Ondas gigantescas engolirão cidades e civilizações, indo morrer aos pés das montanhas. Secas prolongadas farão com que se troquem todas as riquezas por um simples copo de água suja. O calor e o frio extremos farão lembrar com saudades das histórias das avós que falavam das brisas da tarde e do aconchego de uma lareira no inverno, sempre previsível, e dos frutos amadurecidos ao calor de um sol de verão benfazejo. Comer-se-á só para sobreviver, sempre pouco e de gosto duvidoso.
Mas tudo isto ainda não será o pior. A mãe, de tão fraca,
não conseguirá enterrar a filha e o neto matará o avô por causa de uma côdea de
pão. O cão e o gato, amigos do homem, serão buscados por toda a parte como
última possibilidade de matar a fome. Os vivos invejarão os mortos e não haverá
quem chore a morte de crianças. A fome chegará a tal ponto que, como na
Jerusalém sitiada, os famintos aguardarão a próxima vítima da morte para
disputar-lhe a carne esfiapada.
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A morte de um dos maiores rios do Estado de SP-O Piracicaba |
“O país ficará devastado e as cidades se tornarão
escombros. Todo o tempo em que ficar devastada, a Terra descansará pelos
sábados que não descansou quando nela habitáveis” (Lev. 26,33-35).
Odila Fonseca
(A água possível dos Rios que atravessam S.Paulo e Campinas é puro esgoto e produtos químicos)
Mas será o fim de toda a biosfera?
Não. Por causa dos
justos e sensatos, Deus abreviará esses dias e não dizimará toda a vida sobre a
Terra, mantendo a promessa que fizera a nosso pai Noé. Mas é necessário que o
ser humano passe por essa tribulação para acordar do seu egocentrismo e
reconhecer em definitivo que ele é parte da comunidade da vida e o principal
guardador dela.
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Rio Xingú - Amazonia |
Para esses tempos de carestia que virão, é
fundamental recuperar as ancestrais
artes e técnicas do plantar, colher, comer; do cuidar dos animais e servir-se
deles com respeito; do fazer utensílios e ferramentas, com arte e tecnologia
local; do selecionar e plantar as ervas que curam e os grãos que nutrem; do
recolher para tecer; do preservar as fontes d´água, do encontrar lugares
apropriados para cavarmos os poços e do aprender a guardar as águas da chuva. É
entrar na faculdade da economia da escassez, da sobriedade compartida e da
beleza despojada. Desse saber recuperado e enriquecido surgiria uma civilização
do contentamento, uma biocivilização, a Terra da boa esperança. Depois dessa longa temporada de lágrimas e esperanças,
superaremos essa estúpida guerra de religiões, essa intolerável disputa de
deuses. Para além dos profetas e tradições, para além das morais e liturgias,
quem sabe voltemos a adorar, sob múltiplos nomes e formas, o único Criador de
todas as coisas e Pai-Mãe de todos os viventes, no grande Espírito que a tudo
une e inspira, entrelaçados amorosamente na única fraternidade universal. E
poderemos enfim organizar verdadeiramente a união de todos os povos do mundo e
um autêntico parlamento de todas as religiões.
*Leonardo Boff é teólogo e escritor.
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