A toda a Gente Amiga de perto e de longe,
"Quando abri os olhos não cri. Tudo que é belo, é absurdo.
Deus estável! " João Guimarães Rosa
Hoje é um sábado e andam por perto o Natal e o Ano Novo. Venho de alguns dias no Norte de Minas. Chove em Montes Claros, no “sertão seco”, território dos seres de João Guimarães Rosa. Chove nas beiras do rio de São Francisco. E é chegando de “lá” e indo para a Rosa dos Ventos, agora no Sul de Minas, que escrevo a vocês este longo e confidente “cartão de boas festas”.
A alegria da casa cheia. Pois Luciana, Juan, Iara (quatro anos) e Pablo (ano e meio) saíram de Paris, onde viveram três anos, e a caminho de Santiago do Chile (e não de Compostela, como eu), onde irão viver agora, passam conosco alguns dias. Que eles sejam muitos! Sinal dos tempos que vivemos: Iara, nos seus quatro anos, vai viver em seu terceiro país. Minha vida continua como era e como não sei até quando será. Continuo no mundo da universidade, um pouco ainda na UNICAMP, um pouco na Federal de Uberlândia e um tanto mais bem mais ao norte, na Universidade Estadual de Montes Claros. Entre a UFU e a UNIMONTES, seguimos trabalhando projetos de pesquisa ao longo do rio de São Francisco. Vivo a imensa alegria de ver chegar ao final minha carreira de professor (pretendo parar de vez em 2010 e ir para a rosa dos Ventos para escrever poemas, conviver com amigos e pássaros e terminar os livros que nunca acabei! Conseguirei?) envolvido em grupos de pesquisa junto às mesmas comunidades populares de camponeses, pescadores, artistas do povo, negros com quem desde anos atrás misturei a minha vida carioca e errante de antropólogo. Entre 2009 e 2010 deveremos concluir dois projetos de pesquisa e de fundamentos para ações sociais e militantes: o “Tempos e Espaços”, e o “Opará” - o nome que os povos indígenas davam ao rio São Francisco, antes de os brancos chegarem por ali e mudarem à força o destino do rio, dos índios e da vida. Nossa equipe espalhada por aí concluiu o curso de redes solidárias em educação e ação social,agora em Poços de Caldas, depois da experiência fecunda de Pirapora. Existe uma possibilidade de que ele continue em São Carlos e em Betim. E algumas pessoas da “velha equipe”, somadas a outras que o lado bom dos acasos do destino aproximou de nós, preparam artesanalmente a proposta de um curso de graduação em educação popular comunitária. Como podemos e sabemos, tentamos criar e esparramar por aí afora algo que faça frente à vertiginosa mercantilização do saber, da vida e das pessoas. Nesta mesma direção, este foi também um ano de um fecundo trabalho junto ao Instituto Paulo Freire. Seguimos junt@s!Bem longe do Norte de Minas, a Rosa dos Ventos – casa de acolhida aumenta alguns espaços, entre casas e campo, para receber “gente querida de perto e de longe”. E no Carnaval de 2009 ela completará os seus 14 anos de acolhida, encontros, reencontros e longas noites de estrelas e de música. Espero estar por lá tanto no Ano Novo quanto no carnaval. Desde 1997 anuncio a todo mundo que “ano que vem vou viver na Rosa dos Ventos”. As pessoas amigas sorriem e repetem, ano após ano: “você disse a mesma coisa ano passado!”. Disse mesmo. Mas espero que esta promessa sempre adiada se cumpra em 2010. Criamos um volante da Rosa dos Ventos que, algumas pessoas já viram ao vivo e a cores (uma só) e outras receberam por e-mail. Vou enviar a mais pessoas amigas. Fechamos o ano com uma grande alegria criativa. Entre as mãos de Lucimar, Poly e outras pessoas, e entre as vozes, violas e violões de Dércio Marques, Josino Medina e Daniela Lassálvia, conseguimos completar o cd CANTAÇÃO DOS NOMES. São cantos e falas ao redor de poemas de meu velho livro: Os nomes – escritos sobre o outro. Entre algumas músicas entro eu, lendo os meus poemas com a velha e conhecida voz entre “sapo boi” e “taquara rachada”. Humildemente devo dizer que pelo menos para este ano não conheço melhor “presente de Natal” do que este disco. Em nome da RARA ROSA temos também um “anúncio” do disco que tratarei de enviar. Depois do O jardim de todos e do Cantação dos Nomes, aguardem para o fim de 2009 o cd de Furundum! que Josino Medina e as crianças e jovens do Vale do Jequitinhonha estão preparando, com a sábia calma mineira. Outras alegrias editoriais completaram este ano. A saída de Os deuses do povo – um estudo sobre a religião popular, pela Editora da Universidade Federal de Uberlândia (um alentado livro de 498 páginas, com minha “tese de doutorado” agora em versão completa). E também a publicação do Minha casa, o mundo pela editora Santuário-Idéias e Letras. Entre ano passado e este ano escrevi para crianças de 6 a 106 anos, o Abecedário dos bichos que existem e não existem. Crianças e jovens de Pirapora encarregaram-se (sábia e criativamente) dos desenhos, numa ação artística coordenada por Juliana e Natália. Saiu pela Autores Associados e é um outro trabalho a muitas mãos que recomendo fervorosamente.Em 2009 devem sair outros livros. Alguns logo no começo do ano, outros ao longo dele. “No Rancho Fundo” – tempos e espaços no mundo rural sairá de novo pela EDUFU, e com ele volto aos mundos camponeses e sertanejos, que para mim são os melhores que há. A Clara cor da noite escura – escritos sobre negros de Minas e Goiás, também da EDUFU em parceria com a Católica de Goiás, reunirá antigos e mais novos estudos de campo sobre a vida, o saber e a arte de pessoas e povos negros, junto a quem sigo aprendendo, às vezes mais do que nos complicados livros das ciências. Também pela Editora Santuário deverá sair o Prece e folia, festa e romaria, um outro livro em que reuni antigos e novos estudos sobre a religião popular. E uma das alegrias maiores será ver nas ruas de Santiago de Compostela (e de outros lugares, espero) o meu livro de poemas em prosa sobre gentes, aldeias e caminhos da Galícia. Ele se chamará A trilha da estrela e deverá sair em galego, poeticamente traduzido por Luciano Peña Andrade, pela Editora Touxosoltos. Não por acaso passo diante da banca de jornais de meu bairro em Campinas, e encontro a edição de 17 de dezembro de 2008 (mas que saiu antes) da revista Isto É. Não costumo comprá-la e nem outras semelhantes. Mas comprei este número por causa da capa e do tema da capa. “Energia verde” anuncia a sua manchete. Uma esperança que nos motiva a muitas e muitos de nós bem de perto, creio. Mas é a foto da capa que me chamou demais a atenção. Pois ela é uma montagem futurista -, imaginem - do “final do Leblon”. Aquele lugar onde a praia termina no que em meu tempo era o “posto 11”. A foto ilustra um mar manso e em ondas, onde na verdade vive um mar bravo e ondulado, pelo menos hoje. Aquele lugar do Rio de janeiro onde, se você seguir pela esquerda, deságua na Avenida Niemeyer (por onde eu caminhei vezes sem conta). E se seguir pela direita ao longo do “Canal do Leblon” irá sair no “Baixo Gávea”, onde moram minha mãe (91 anos) e minhas irmãs. Ora, o destaque da capa futurista é a imagem das duas montanhas dos “Dois Irmãos do Leblon”. Lá está o “Irmão Menor”, com um enorme e feio prédio do futuro, encravado da base ao topo. Outro entre os dois quase chega ao cume do “Irmão Maior”. E a foto prossegue com a floresta (agora rala) que pelo seu outro lado ia até o quintal da casa da Rua Cedro 262, onde vivi por 16 anos. E bem de frente lá está a face frontal do “Irmão Maior”, com o “Paredão Badden Powell”. Uma escalada de 4º grau superior (no meu tempo) que em 1960 (isto mesmo, há 42 anos) eu conquistei junto com uma equipe de companheiros do “Clube Excursionista Rio de janeiro”. Alguns deles bem melhores escaladores do que eu. Trago estas imagens de minha vida - reinventadas como se numa cena de futuro (espero que verde como na foto) - para lembrar as ameaças e também as esperanças que ao mesmo tempo pesam sobre nós e nos desafiam a continuar a pensar, viver e fazer o que vários e vários de nós não desistimos de prosseguir, pelo menos desde os primeiros anos da década dos anos 60.Falamos agora de uma imensa crise econômica e financeira. E ela ganha todas as manchetes, porque agora ameaça bancos e bancas, milionários, empresas e empresários. Como se não a vivêssemos há muitos anos, apenas afetando a vida e o destino da imensa maioria das pessoas daqui e de longe, que nunca puderam “investir na bolsa”, porque quase sempre mal tinham no bolso o suficiente para trazer para a casa o pão de todo o dia, que na prece cristã aprendemos a crer que nunca nos faltaria.
Buscávamos caminhos há muitos anos atrás. Alguns dos nossos se foram, antes e durante este ano em que “descomemoramos” o AI-5 e os piores momentos da Ditadura que levou parte nossa gente ao sofrimento, ao exílio e mesmo à morte. Tanta coisa mudou aqui por perto e por toda a parte. Seguimos ainda, os que ficamos, vivendo das mesmas e de outras novas utopias e esperanças. Algumas difíceis respostas ainda esperam nossas perguntas. Alguns novos saberes e sentidos que realimentem os que trazemos conosco e entre nós, vida afora. Algumas ações para quem ainda acredita que “um novo mundo é possível”, como bradamos há anos nas ruas de Porto Alegre e esperamos estar repetindo, ao lado de muitas e muitas outras vozes, nas ruas de Belém no janeiro de 2009, durante o Fórum Social Mundial.Seguimos acreditando com as mesmas e outras pessoas companheiras de vida, de destino e de luta, que se não fomos nós os que fizeram o mundo desta globalizada política econômica que desmorona aos nossos olhos, podemos ser parte e partilha daqueles e daquelas que, desde os mais diferentes horizontes, acreditam que passo a passo saberemos transformá-la. Gente por aí que ainda crê em caminhos que entrecruzam a sócio-economia solidária com a simplicidade voluntária. E as entretecem com as incontáveis (bastante mais do que imaginamos) experiências esparramadas por todo o mundo em que vivemos. Um mundo que, das plantas e bichos a nós próprios, espera mais do que uma simples “energia verde”, que na reportagem da Isto É aparece com ênfase no seu lado de inovação tecnológica. Grupos, equipes e comunidades de pessoas ainda portadoras de uma múltipla outra energia, não apenas verde e fruto de tecnologias sustentáveis. Uma energia e uma sinergia de idéias e de ações solidárias e amorosamente cooperativas, em nome de uma nova política local, nacional e mundial (no velho sentido humano de “cuidado da pólis”), de uma outra economia (no também velho sentido de “cuidado da casa”), de uma outra lógica do pensar, de uma outra estética do criar e do viver. É isto o que me leva a seguir... “apesar de tudo” (ou justamente “por causa de “tudo”) , seguindo os passos de pessoas companheiras de vida. Gente que vai Teilhard de Chardin (não o esquecer, entre tantos modernos, nunca!), a Paulo Freire. E deles a Marilena Chauí, a Leonardo Boff, a Pedro Casáldaliga (não equeçam de adquirir e usar a Agenda Latonoamericana 2009), a Tomás Baldoino, a Frei Betto, a Moacir Gadotti, A Alda Borges, a Marcos Arruda, que neste 2009 estará publicando o terceiro volume de sua imperdível trilogia, com o livro: Educação para uma economia do amor – a formação do ser humano integral: educação da práxis e economia solidária. Agora é tempo. Minhas alunas e meus alunos comentam que falo muito e que minhas aulas vão até bem além do tempo previsto. Escrevo muito também. Sou amigo de longas cartas, neste tempo de mensagens internéticas breves e quase cifradas. Tenhamos tod@s um Natal com símbolos e gestos de amor e paz. E que 2009 (ainda dentro da Década da Educação para as Culturas de Paz, proclamada em 2001 pela UNESCO... você se lembra?) venha com as suas crises e esperanças. E que ele nos encontre como sempre e como agora: um pouco mais velhos, um pouco mais cansadas, mas de pé, junt@s e prontos a seguir em frente.E já que na primeira página começamos com João Guimarães Rosa, dos sertões do Norte de Minas, saibamos concluir este “bilhete de Natal” também com ele.Serras que vão saindo, para destapar outras serras. Tem que de todas as coisas, vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas. Estejamos junt@s! Um abraço com amigo.
Carlos Rodrigues Brandão
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