IMPOSTOS EM SÃO PAULO

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Duas Professoras e dois diálogos sobre pedagogia da experiência

TEXTO ENCAMINHADO PELA PROFESSORA SHEILA CECCON ATIBAIA -SP
Odila,retribuindo seus votos de feliz natal, fiquei pensando em um texto e lembrei do Maurício Tapajós. Anexei pra você.Aproveito para enviar também um texto que distribuí por aqui, disseminando as palavras da Marina Silva sobre a tragédia de SC e a urgência de atitudes ambientalmente responsáveis
sheilaceccon@yahoo.com.br

Enchentes em Santa Catarina: A natureza, numa pedagogia sinistra, parece exemplificar o que significam esses fenômenos extremos que, em várias regiões do planeta, tenderão a provocar perí­odos de seca muito mais severos e outros com precipitações intensas.As imagens da tragédia vivida pelas famílias de Santa Catarina têm provocado inúmeras ações de solidariedade e comprometido os governos federal e estadual com a reconstrução do que é possível reconstruir. Infelizmente, as perdas mais profundas não podem ser reparadas, as ausências ficarão para sempre. Vinha esboçando um texto que procurava lançar luz à urgência dos compromissos ambientais que devemos assumir após uma lição tão dura como esta, quando encontrei um artigo sobre o assunto produzido pela ex-ministra Marina Silva. A sensibilidade e a firmeza com que ela trata da questão são invejáveis. Decidi então reproduzi-lo, divulgá-lo, ampliar sua voz. Como diz o texto, transcrito a seguir, “cada vez mais, não é só uma questão de errar, corrigir o erro e aprender com ele. Agora a palavra de ordem é prevenir o erro, para que não se repitam os olhares perdidos, os rostos esvaziados, o choro inconsolável, a desesperança e as mortes que vimos nesses últimos dias em Santa Catarina”.

A dor que nunca passa
Marina Silva
De Brasí­lia (DF)
Nos anos 1970, quando abriam a BR-364 no Acre, ela cortou ao meio o seringal onde eu morava com minha famí­lia. À derrubada da mata seguiu-se uma epidemia violenta e incontrolável de sarampo e malária. Era gente doente ou morrendo em quase todas as casas. Perdi um primo e meu tio Pedro Ney, que foi uma das pessoas mais importantes da minha infância. Morreu minha irmã de quase dois anos e, quinze dias depois, outra irmã, de seis meses. Seis meses depois, morreu minha mãe. Tudo era avassalador, assustador. Uma dor enorme, extrema, que nunca passou. Para sair disso, tivemos que reconstruir, praticamente, o sentido inteiro do mundo. Aceitar o inaceitável, mas carregá-lo para sempre dentro de si. Ir em frente, enfrentar a dureza do cotidiano, sobreviver, cuidar dos outros. Viver, enfim, e dar muito valor à vida e às pessoas.
Em 1985, numa das maiores enchentes do rio Acre em Rio Branco, eu morava no bairro Cidade Nova, na periferia da cidade, numa pequena casa de onde tivemos que sair à s pressas, levando o que foi possível numa canoa. O resto foi levado pelas águas, inclusive o único retrato que tí­nhamos de minha mãe.
Penso agora nisso tudo e acho que consigo entender o que sentem os catarinenses, mas ainda estou longe de alcançar o significado estarrecedor de uma perda tão total e instantânea como a que sofreram. Na escuridão, o morro descendo, destruindo tudo, a busca desesperada pelos filhos, a importância. E, depois, descobrir-se são em meio ao caos: acabou a casa, foram-se as pessoas amadas, o lugar no mundo. Não há mais nada, só a vida fí­sica e a força do espírito.Meus filhos andam pela casa com todo vigor, com toda a beleza da juventude, e sequer consigo imaginar o que seria, de uma hora para outra, vê-los engolidos pela terra, debaixo de toneladas de escombros ou mutilados para o resto da vida. É algo terrível demais até no plano da imaginação. Fere a própria alma tão fundo que chega a ser impossível entender plenamente a profunda tristeza de quem enfrenta essa realidade.Na Londres de 1624, os sinos da catedral de São Paulo tocavam quase ininterruptamente anunciando as milhares de mortes causadas pela peste. Atingido por grave enfermidade (que chegou a ser confundida com a peste) John Donne escreveu então um de seus textos mais conhecidos, a Meditação XVII: "Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, assim como se fosse uma parte de teus amigos ou mesmo tua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti."
Hoje, no mundo, os sinos dobram por todos nós e para nos acordar. Grandes desastres podem virar acontecimentos corriqueiros. Não se pode afirmar peremptoriamente que a tragédia de Santa Catarina deriva, em linha direta, das mudanças climáticas identificadas no relatório do IPCC, o Painel Internacional de Mudanças Climáticas da ONU. Mas em tudo se assemelha às previsões de possí­veis impactos da mudanças no clima do sul do Brasil, até o final do século 21.A natureza, numa pedagogia sinistra, parece exemplificar o que significam esses fenômenos extremos que, em várias regiões do planeta, tenderão a provocar perí­odos de seca muito mais severos e outros com precipitações intensas.As ações de mitigação necessárias e as adaptações para enfrentar esses efeitos e reduzir nossa vulnerabilidade diante deles ainda são precárias e estão atrasadas. Os paí­ses ricos, detentores de recursos, conhecimento e tecnologia, já avançam em medidas para se proteger. As piores conseqüências deverão recair sobre os paí­ses pobres e os em desenvolvimento. A urgência é auto-explicável. Não é um cientista quem o diz e nem um livro. É a natureza, cujos avisos e alertas têm sido insanamente ignorados.O Brasil, que ontem lançou o seu Plano Nacional de Mudanças Climáticas, não tem como deixar de fazer a sua parte, mesmo sem os meios disponí­veis nos paí­ses ricos. O acontecido em Santa Catarina é um sintoma e deve ser seguido de um esforço de grandes proporções, de início imediato, para tentar evitar que se repita.É preciso que cada um de nós, autoridades públicas, empresas e cidadãos, pensemos nos mortos, nas famílias inteiras soterradas, nas vidas destroçadas debaixo do barro, antes de sermos tolerantes com ocupação em encostas, com destruição de matas ciliares, com o adensamento de áreas de risco, com mudanças de conveniência nas legislações. Não há mais espaço para empurrar os problemas ambientais com a barriga, como tentam fazer alguns, e deixar para "o próximo" o ônus de medidas ditas antipáticas. A omissão que ceifa vidas humanas tem que acabar, mesmo à custa de incompreensões.
Nos tempos atuais, há mais um componente na agenda ética: não se deixar corromper diante das pressões para ignorar a proteção ambiental e as medidas de precaução exigidas pela intensificação dos fenômenos naturais.
Quem detêm algum tipo de representação pública deve se convencer de que é preciso mudar profunda, rápida e estruturalmente os usos e costumes, de modo a preparar o Paí­s para um futuro de sérios desafios ambientais. Cada vez mais, não é só uma questão de errar, corrigir o erro e aprender com ele. Agora a palavra de ordem é prevenir o erro, para que não se repitam os olhares perdidos, os rostos esvaziados, o choro inconsolável, a desesperança e as mortes que vimos nesses últimos dias em Santa Catarina.

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.
Fale com Marina Silva: http://br.f501.mail.yahoo.com/ym/Compose?To=%20marina.silva08@terra.com.brhttp://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3367445-EI11691,00.html

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