Em 22 de dezembro de 1988 o Brasil se preparou para ver o assassinato de Odete Roitman na novela das oito. A vilã de Vale Tudo, exibida na Rede Globo, ainda sobreviveria dois capítulos, mas outra morte anunciada realmente aconteceu naquela noite. Às 21 horas – ou 19 horas, no Acre –, um tiro de pistola acertou Francisco Alves Mendes Filho. “Nunca um tiro dado no Brasil ecoou tão longe”, escreveu o jornalista Zuenir Ventura, que investigou o crime.Chico já era líder entre os seringueiros e tinha o respeito de lideranças internacionais. Ao perder a vida, tornou-se definitivamente símbolo mundial. Representa a luta – pacífica, mas ativa – dos povos da floresta pelo seu sustento. Ao defender a Amazônia, foi pioneiro em levantar a bandeira do meio ambiente, numa época em que dizer que a vida humana dependia da preservação ambiental soava uma abstração.
O herói da floresta nasceu e morreu na mesma Xapuri. Nunca teve casa própria. Alegre e afetuoso, conquistava as pessoas antes mesmo de expor suas ideias. Gostava de jogar dominó, comer paca e macaco. Tirou leite de seringueira desde os nove anos, seguindo a profissão do pai e do avô nordestino. Aos 17 anos, perdeu a mãe e o irmão mais velho.Não frequentou escola – os seringalistas não as permitiam em suas terras –, mas lia jornais desde menino. Um fugitivo da Coluna Prestes, escondido na mata, foi seu mestre em lições sobre Lenin e Marx. A exploração sofrida por seu povo ganhava novos contornos. Com eles, tinha início sua militância política.Mais tarde, Chico alfabetizou outros jovens, sempre antes de o sol raiar. Se casaria com uma das alunas, 20 anos mais nova. Ilzimar, morena de cabelos negros, foi sua segunda esposa, mãe de dois de seus três filhos
Palavra maldita
“O progresso está virando uma palavra maldita”, dizia Chico. “Ele trouxe os conflitos de terra, trabalho escravo, poluição do meio ambiente, destruição dos recursos naturais e a ideia de que a Amazônia era uma imensa área de terras devolutas que qualquer pessoa podia meter a mão.” Nos anos 1970, “progresso” era a palavra de ordem do governo militar. Fazendeiros, grandes grupos econômicos e multinacionais foram impulsionados a ocupar o Norte do País. Abriam clareiras na selva para criar gado e simplesmente expulsavam as famílias que ali viviam, usando jagunços ou fogo. Com outros colegas que tiravam seu sustento das matas e conheciam sua riqueza, Chico fundou o movimento sindical no Acre. Defendiam o meio ambiente e a máxima:
“A terra é de quem nela trabalha”.
Sem nenhum dólar no bolso, Chico foi aos Estados Unidos.
Apenas discursando num comitê e nos corredores, conseguiu revogar uma decisão do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Empates: vitórias e derrotasComo lutar contra tratores e pistolas? O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Basileia criou o “empate”, espécie tupiniquim de Satyagraha – resistência pacífica liderada por Gandhi. Eram cordões humanos de 100, 200, 300 pessoas. Cantando, homens, mulheres e crianças paravam motosserras e tratores. E convenciam os funcionários a aderir à causa.Não demorou até que o diretor do sindicato fosse “eliminado” pelos fazendeiros. Chico Mendes, primeiro-secretário, corria riscos por “incitar contra a paz”. Depois de discursos e protestos pelo assassinato, alguns seringueiros se exaltaram e mataram o fazendeiro mandante do crime. Chico foi torturado pela polícia e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Só em 2008 seria anistiado.Em vez de se inibir, Chico Mendes ia cada vez mais longe. Logo o movimento foi novamente articulado. O Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros aconteceu em Brasília, depois de mobilização intensa. O principal objetivo: mostrar na capital do País que a Amazônia não era uma terra desabitada. Ali Chico Mendes articulou o Conselho Nacional dos Seringueiros e falou da “união dos povos da floresta”. Era o ponto de partida para a criação de reservas extrativistas em prol de índios, seringueiros, quebradeiras de coco, castanheiros, quilombolas e, claro, do meio ambiente. O ambientalista ajudou na implementação das reservas, mas a oficialização da maior delas com seu nome foi homenagem póstuma.
Uma voz que ecoa
Sem nenhum dólar no bolso, Chico viajou até os Estados Unidos, apoiado por órgãos internacionais. Revogou uma decisão do Banco Internacional de Desenvolvimento apenas discursando no comitê e nos corredores. O banco deixou de financiar uma rodovia na Amazônia e outros projetos que incentivavam o desmatamento, para desespero do governo brasileiro e, principalmente, dos ruralistas acreanos.Chico sabia que estava jurado de morte. Declarou isso algumas vezes e até divulgou os nomes dos possíveis mandantes no 3° Congresso da CUT, em que foi ovacionado. “Se descesse um enviado dos céus e garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver”, declarou, sem saber como suas ideias continuariam a ecoar até hoje na Amazônia, no Brasil e no mundo.Saiba Mais:"Chico Mendes Crime e Castigo", de Zuenir Ventura (Companhia das Letras, 2003).
ESCREVEU:Natália Pesciotta
MEMÓRIAS DO BLOG_ASSISTA AOS DOCUMENTÁRIOS SOBRE CHICO MENDES
http://www.youtube.com/watch?v=q5ejS7fBzV4&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=ereyxiaRvOQ
http://www.youtube.com/watch?v=uAD_1JaBrv4&feature=player_embedded
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A FOME E A GUERRA
Agora morre uma criança por desnutrição em Kurusú Ambá município de Mato Grosso do Sul
Campo Grande, dezembro de 2009
Uma criança de dois anos morreu hoje de desnutrição no lugar da retomada de terra da comunidade Kurusú Ambá, município de Amambaí/MS, 48 horas depois de que fosse denunciado o suposto assassinato de Osmair Fernandes, um jovem de 15 anos, quem pertencia ao acampamento que fez a retomada no dia 25 de novembro, no lugar chamado Jaguá Ambá Cué, dentro da fazenda Maria Auxiliadora. Em quanto a criança de dois anos agüentou até 15 dias de diarreia e vomito sem ter atendimento da FUNASA, ainda havendo denuncia e solicitação de socorro para isso, o corpo do jovem foi encontrado na escola indígena Taquapiry, a oito quilômetros de distancia da retomada, com indícios de espancamento e tortura.A criança que faleceu se chama Tatirrara, filha de Jaeson Batista e Marcelina Rodrigues. Segundo os pais ela tinha um quadro agudo de vomito e diarreia, alem disso estava com a garganta inflamada, o que a levou a uma desidratação total e à morte. Dez dias atrás as lideranças de Kurusú Ambá fizeram uma solicitação desesperada no Ministério Publico Federal devido à grande quantidade de doenças que está atacando às famílias que participam da retomada de seu território tradicional e em razão da fome que os atinge. Eles queriam que a FUNASA entrasse dentro da fazenda Maria Auxiliadora para atender aos que estão doentes e que a FUNAI entrasse para levar cesta básica. Segundo os indígenas, a resposta do MPF foi negativa alegando que esses órgãos não podem entrar na fazenda sem autorização judicial, pois, trata-se de propriedade privada. O MPF pediu aos indígenas que se deslocassem para a aldeia de Taquapiry, para receber a cesta básica e atendimento médico.
Denuncia de envenenamento
Segundo os indígenas que estão na área de retomada existe a possibilidade de que a maioria das crianças estejam sentindo os efeitos do veneno que é jogado pelos fazendeiros na plantação de soja que rodeia o acampamento indígena. A fazenda Maria Auxiliadora, reclamada como terra tradicional indígena, não tem criação de gado e só plantação de soja, segundo os nativos. As fontes de agua que os indígenas começaram consumir estariam contaminadas com os produtos tóxicos usados para proteger a soja. Mais crianças poderiam morrer se a FUNASA não asiste às famílias no lugar da retomada, segundo manifestaram representantes da comunidade de Kurusú Ambá. No 2008 duas crianças já morreram de desnutrição no acampamento que as famílias ocupavam desde 2007 na beira da BR 289 que liga Amambaí a Coronel Sapucaia. Com a morte de menina Tatirrara de dois anos já vão outras duas mortes por desnutrição na aldeia no 2009.Agora os indígenas disseram que, antes da ocorrência de mais mortes, estão solicitando à FUNASA pelo menos o caixão para enterrar a criança, já que se negam a dar atendimento na referida “propriedade privada”.
Fonte: Cimi/MS
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