Prof.Evandro Vieira Ouriques
Como não temos conseguido Sustentabilidade como a precisamos,
investiguei o Triple Bottom Line, que a maior parte das empresas e
organizações em todo o mundo têm como guia, localizei o ponto cego deste
modelo e criei, em 2005, a Gestão da Mente Sustentável, o Quarto Bottom
Line, avançando-o.
Uma vez que sem limparmos as sequências mentais (o fluxo pensamentos,
afetos e percepções), o design mental, o modelo mental, pouco ou nada
adianta falar em Sustentabilidade, como temos visto sem parar desde o
final do século passado, por exemplo na COP-15, pois como somos cultura,
somos o que pensamos, o que afetamos, o que nos afeta, o que
percebemos.
A Sustentabilidade é mais importante ainda, por exemplo, que a
cultura digital e as redes, pois apenas ela pode orientar o verdadeiro
sentido democrático das conexões, das alianças, das conquistas
tecnológicas, das intervenções nos territórios. E, assim, transformar o
atual e imenso acúmulo de crises, de dimensão tectônica, em
extraordinária oportunidade de um futuro que faça sentido: um futuro
fundado em valores comunais, os que garantem a coesão social. E, como
todo futuro, ele é sempre construído agora, pelo poder do pensamento
claro, complexo e focado: por uma Mente Sustentável.
E, mais: apenas a Sustentabilidade pode trazer à tona o verdadeiro
sentido da própria Comunicação, muito distinto da instrumental fogueira
de vaidades atual.
Explico. Por partes.
1. Por que a Sustentabilidade ocupa este papel central?
Por que o processo de conceituação do que seja a Cultura, e dentro
desta a Filosofia e a História, acabou por definí-la como a ruptura do
continnuum do processo natural. Ou seja, como a “outra” da Natureza:
aquela que não é a Natureza. Neste conceito portanto temos a oposição
dualista entre o que passamos a chamar de Cultura face ao que então
passamos a chamar de Natureza.
O resultado desta ruptura colhemos principalmente durante o século
XX, apesar de já na Roma antiga, no séc. VII a.C., por exemplo, existir
legislação para controlar os perigos do trânsito de carroças, bem como o
imenso barulho que elas faziam nas ruas à noite não deixando sobretudo
os pobres dormirem.
Pelo menos desde 1972 temos as provas científicas irrefutáveis deste
erro epistemológico, e desde então resistimos a rever nossos conceitos
sobre a Vida e sobre o Mundo, aí incluídos os conceitos de Cultura e
Natureza.
Resistimos a mudar de design mental e no entanto queremos mudar o
design dos objetos, dos projetos, dos empreendimentos, dos
planejamentos, das redes; resistimos a abandonar a mente insustentável,
preferindo insistir, na maior parte dos casos, em uma atitude greenwash;
ou seja, em uma atitude verde apenas como efeito de real, alimentando
tal opção epistemológica dualista, fatal para o nosso presente e para o
futuro das novas gerações: separar Cultura e Natureza foi interromper a
conexão primeira, a rede primeira, que é a interdependência sistêmica e
complexa entre o biológico e o cultural.
Estava e está no conceito Cultura, portanto, instalado o divórcio, a
falta de Comunicação, em uma forma talvez de amor líquido. Em verdade
uma mistura de ressentimento e melancólica admiração da Cultura pela
Natureza, facilmente perceptível na maneira pontual e utilitarista com a
qual este re-encontro se dá nos cobiçados finais de semana populares ou
ultra-elitizados, que vão dos super spas e resorts aos
piqueniques-farofa na praia, ou ao churrasco à beira da piscina de
plástico.
Ou, então, nas commodities, por exemplo, petróleo, gás, ouro e os
outros metais presentes em toda a cadeia industrial e nos produtos que
enchem os supermercados e os shoppings, e que são retiradas in natura
diretamente da Natureza e que continuam a mover o mundo que destroí
assim, digamos, sua própria mãe, sua própria origem, a própria fonte que
a alimenta.
Sim, há algo de profunda insanidade neste design mental, nesta
Cultura. Para destacadas autoridades da clínica social da psicanálise, a
característica dominante da economia psíquica pós-moderna é exatamente a
iminência do colapso psicótico.
2. Por que a Sustentabilidade permite repensar de forma ampla o que
seja a Comunicação?
A Sustentabilidade obriga a repensar a Comunicação pois comprova que a
Comunicação é a linguagem do que chamamos de Natureza, que se expressa
através da lógica das redes biológicas, cognitivas, da ancestralidade e,
por isto, também das redes culturais e sociais.
Trata-se, sem dúvida de uma imensa vaidade, daí tanta ocorrência de
celebridades e narcisismos nas redes sociais, estar brevemente sobre um
Planeta no qual surgimos apenas no último segundo (se compactamos a
História de 14 bilhões de anos em um ano) e que flutua em meio a um
Cosmos de tal maneira gigantesco, e insistir-se em dar ordem ao mundo,
insistir-se em recusar comunicar Cultura e Natureza, recusar-se a
comunicar poder e generosidade.
O Desafio de Pensar
Tratar portanto da Comunicação e da Sustentabilidade é entender que
Segurança Ambiental, Justiça Social e Equidade Econômica, metas do
Triple Bottom Line, só se dão de fato pela construção e gestão de uma
Mente Sustentável, que possa garantir que a palavra dita se torne ato
concretizado mediante o foco da vontade neste sentido.
É quando o indíviduo, rede, movimento, organização e instituição
monitora e vigia seu próprio Território Mental (o fluxo de pensamentos,
afetos e percepções, dentre elas a intuição) que o poder de criar
Políticas Públicas, Redes e Emprendimentos se manifesta de maneira
sustentável.
Para isto é preciso sustar a compulsão do produtivismo; e meditar;
construir deliberadamente um pensamento respiratório; agir na mais
poderosa das ações: a que fazemos sobre os conceitos, pois somos, como
disse, o que pensamos, o que afetamos, o que nos afeta, o que
percebemos. Somos responsáveis pelo que fazemos. O que vivemos é o
resultado de nossas aspirações.
Por isto é que dedico-me ao vigor do pensamento, a resistir à
simplificaçnao do pensamento, fazendo para isto, através de longas e
detalhadas leituras e reflexões, a arqueologia dos conceitos Comunicação
e Sustentabilidade, como quem delicada e decidida-mente percorre o
corpo amado, seja ele sútil ou mais denso, celebrando cada milímetro,
cada respiração, cada pulsação, por vezes suave-mente, por vezes
intensa-mente.
Para que as vidas, as carreiras, os empreendimentos, as alianças, as
famílias, as redes, os movimentos, as corporações, os partidos, as
organizações de todo o tipo, as intervenções nos territórios, ajam na
solução do que hoje enfrentamos, é preciso livrar-se da captura pela
idéia dualista de que existiria um “sistema” contra o qual nada se
poderia fazer e que aprisionaria a Liberdade e a Justiça, através de uma
opressão vinda de fora para dentro ou exercida “entre” os indivíduos.
Na realidade, o que aprisiona é o design mental que se tem e do qual
não se livra simplesmente por obra e graça de se estar conectado à web e
dispondo de banda larga e das ferramentas mais elaboradas de rede, pois
as cadeias mentais é que são a causa final, e na maior parte dos casos,
inconsciente, pois gravada no aparente “recato” da “vida privada”, na
intimidade do próprio pensamento, no conjunto dos afetos e percepções
que se tem sobre o mundo; conjunto este que se mantém intacto pelo tabu
de não se falar sobre ele de forma alguma, divorciando-o da política e
da gestão, como se dele não dependesse o futuro do empreendimento, o
futuro da Nação.
Por isto é preciso treinar a mente para a ação transformadora no
mundo, diante da qual não cabem as respostas prontas entregues por
intenso, concentrado e monocórdico delivery mediático, educacional,
familiar e social.
Há que se superar o desafio de comunicar para que se possa gozar
plenamente do Direito à Comunicação. Esta tarefa demanda imenso
exercício continuado de vontade, de disposição para mudar, de humildade,
de escuta, de paciência, de compaixão.
É preciso ler muito e pausada-mente, perguntar, investigar e
conversar, experimentar, como quem re-começa ou começa a pensar:
. É a “Natureza” “cruel”, de fato? É a “Natureza” violenta? Qual a
“natureza” da violência psíquica e social, ou, melhor, como se constrói a
insustentável cultura da violência, baseada na unidimensionalidade da
remuneração e dos efeitos de real criados pelo acúmulo de poder e de
capital, e na socialização das perdas, movidos pela inveja, pela
vingança e pela indiferença, em uma manifestação do que os alemães
chamam de schadenfreude; ou seja, o sentimento de alegria pelo
sofrimento ou infelicidade dos outros?
. A vida é mesmo uma guerra? Os animais são violentos ou em verdade o
amor é que é a base do biológico e do social? De onde vem a vontade das
Políticas Públicas Sociais e da sustentabilidade? Do poder e do
interesse auto-referenciados? Há portanto uma outra e distinta fonte de
referência para o ato comunicativo, o ato do afeto, o ato da política?
. Qual a diferença entre violência, ira e indignação? Quem, o quê e
onde estaria o verdadeiro “inimigo”?
. A Paz se multiplica por “contaminação” e por “meio viral”? De onde
vem esta ânsia de agir e agir sem pensar, que atribui à tecnologia ou às
redes (como se estas estivessem passando a existir agora...), portanto
atribuindo ao que está fora, ao outro, as esperanças de Liberdade,
Justiça e de Paz?
. Por que a ridicularização das utopias, quando entender o mundo apenas
como um supermercado e um shopping center gigantesco, tecnologizado e
simbólica e geográfica-mente infinito, custe o que custar, é que gera a
insustentabilidade do divórcio entre palavra e ato; este
fim-das-utopias, gerador da irresponsabilidade cidadã sobre a própria
ação no mundo; este gerador da traição e do abuso, sob as múltiplas
formas da inveja perpétua, fonte das celebridades e dos narcisismos?
Por que a insustentabilidade social que se quis superar no século XX,
através do coletivismo, aprofundou-se na totalização pelo
reconhecimento pelo capital, neste século XXI marcado, até agora, pelo
individualismo, pelo mal-estar, pelos fundamentalismos de todas as
ordens, pela devoção tecnológica, pela repetição da luta insana pelo
poder mesmo nas esquerdas, a qual -quando muito- parece sobrar a
resistência criativa, talvez não-criadora, aos crescentes dispositivos
de vigilância?
. Por que a recusa a trabalhar intensa-mente para tornar o pensamento
mais e mais complexo, e apenas assim, de fato, ter um pensamento livre,
por que cristalino, descondicionado, por que claro, que permita a vida
em sociedade?
. Por que a recusa a ter uma re-visão profunda e crítica sobre os
conceitos que se usa, sobre o fluxo dos estados mentais?
. Enfim a dispor de tempo para compreender minuciosa-mente o discurso
que cada um coloca no ar, como editor de si mesmo e, assim, poder de
fato re-inventar-se, de fato inovar-se e poder então concretizar mais
atitudes green e não apenas mais entulho não-reciclável greenwash?
. De ser, como mostrou cristalina-mente Mahatma Gandhi, aquilo que se
quer ver no mundo, entendendo a indissociabilidade entre o psíquico, o
social, o espiritual e o político, defendida também por tantos
brilhantes pensadores ocidentais?
Por que então o atual elogio à loucura, na forma da simplificação do
pensamento, da redução do pensamento ao nada que é a ação repetitiva e
suicida, produzida pela pasteurização do pensamento?
A única maneira de se fazer a globalização é de fato esta? Na qual em
nome de uma suposta eficácia tecnológica que (ao contrário de trazer
mais democracia como foi prometido, tem é gerado na maior parte dos
casos mais concentração e mais vigilância) instaurou a redução da
complexidade e da multiplicidade, das diversidades do mundo, das
diferenças das pessoas, dos povos, das culturas, brutal e
anestesiada-mente ameaçadas?
. Por que ameaçar o pensamento, se apenas ele é que pode encontrar a
coesão social na multiplicidade, como as teias se mantêm equilibradas,
de encontrar uma coesão que não seja a dos totalitarismos, seja sob a
forma do fascismo político, do fundamentalismo religioso, do
fundamentalismo tecnológico.
O Desafio de Comunicar
De fato, é o pensamento que funda e move, e que é a integralidade da
experiência de se estar vivo, na condição que patriarcal-mente, e
portanto insustentavel-mente, ainda chamamos de “humano”.
É por isto que a Comunicação hoje ainda está muito na dimensão
operacional: na produção de efeitos, na obtenção de capital de
influência, quando o que precisa avançar é a política enquanto conceito,
o negócio enquanto conceito, a rede enquanto conceito, a Comunicação
enquanto conceito.
É assim que é urgente avançar a superação de pensar a Comunicação de
maneira fragmentada, atenta apenas, como disse, aos processos.
É urgente construir, compreender, praticar e gerir uma Mente
Sustentável. É preciso investir na profunda arqueologia dos conceitos
que constituem o pensamento, os afetos e as percepções. A Mente
Sustentável engloba a multidimensionalidade dos processos cognitivos,
inclusive, claro, a intuição, pois apenas uma mente clara e focada
permite termos Inovação verdadeira: a Comunicação, a Política, as Redes,
os Empreeendimentos sustentáveis e assim democráticos.
Quando somos prisioneiros de uma cultura só podemos nos libertar
através de uma outra cultura, sabemos disto. E isto apenas se faz pelo
esforço de um pensamento novo e complexo, da Mente Sustentável, que
elimine a poluição mental, e abrigue, sem pré-conceitos, o melhor dos
conhecimentos de todas as culturas que o ser humano já construiu.
....
* Prof. Evandro Vieira Ouriques
Professor da Escola de Comunicação da UFRJ há 31 anos e coordenador do
NETCCON-Núcleo de Estudos Transdiciplinares de Comunicação e Consciência
é o criador da metodologia Gestão da Mente Sustentável, o Quarto Bottom
Line.
Escritor e consultor, é especialista em mudança de atitude, focado em
Comunicação e Educação para as Redes, as Políticas Públicas e a
Sustentabilidade, atuando tanto em redes, movimentos e organizações,
como o movimento pela Democratização da Comunicação no Brasil, os Fóruns
de Mídia Livre, o DEGASE, a Rebouças & Associados, a Petrobras, a
Natura, o ETHOS e a ABERJE, quanto através de atendimentos e coaching
individuais.
Transdisciplinar desde 1984, é cientista político, jornalista,
designer, artista multimídia, gestor cultural, curador e conservador de
obras de arte e terapeuta de base analítica.
Trabalhou 21 anos no Ministério da Cultura, na Fundação Nacional de
Arte e no Museu Nacional Nacional de Belas Artes, quatro anos em Diálogo
Inter-religioso e três com a Estratégia Cultural do Yoga no Brasil,
tendo em vista seus estudos também sobre sistemas ancestrais de
Comunicação e Cura.
Membro da INTERCOM, do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo,
da Associação Internacional de Estudos Ibero-Eslavos, do Instituto
Cultural Brasil-Rússia Mikhail Lermentov e do Instituto Cultural
Brasil-Galícia, é diretor de Comunicação e Cultura do Núcleo de Estudos
do Futuro da PUC.SP.
Mantem convênio com a UNESCO, o Coletivo INTERVOZES e o LaPCom-Unb
para a elaboração de Indicadores do Direito à Comunicação no Brasil.
Autor e organizador de dezenas de publicações, entre as quais se destaca
o livro Diálogo entre as Civilizações: a Experiência Brasileira,
publicado pela ONU e a UNESCO em 2003.
Bibliografia Básica, de Autoria do Prof. Evandro
OURIQUES, Evandro Vieira (2009). Comunicação, Palavra e Políticas
Públicas: a Importância do Conceito Envolvimento para a Construção da
Cidadania Sustentável. Revista Z Cultural. Programa Avançado de Cultura
Contemporânea-PACC.FCC.UFRJ. Ano 5 nº 02. Rio de Janeiro. ISNN 1980-9921
http://www.pacc.ufrj.br/z/ano5/2/ouriques.php
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Extended Bottom Line: o Desenvolvimento Socioambiental como Questão da
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(orgs.). Consciência e desenvolvimento sustentável nas organizações. Rio
de Janeiro: Editora Campus Elsevier, São Paulo. pp. 195-203. ISBN-10:
85-352-3281-8
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Janeiro. pp 76-81 http://www.ibase.br/userimages/DV42_artigo4.pdf
Bibliografia de Aprofundamento, de Autoria do Prof. Evandro
OURIQUES, Evandro Vieira (org.) (2003). Diálogo entre as
Civilizações: a Experiência Brasileira. ONU. Apoio Institucional Palas
Athena, Viva Rio, Movimento Inter-religioso do Rio de Janeiro-MIR/ ISER e
UNESCO. www.unicrio.org.br (clicar biblioteca; e título).
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de Direito Urbano e Ambiental-FDUA, São Paulo, ano 9, nº 49.
Janeiro-Fevereiro de 2010. ISSN 1676-6962
Ferramenta criada para a disciplina “Tópicos Avançados em Ambiente e Sociedade I”oferecida pelo Nepam - Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp com o objetivo de propor discussões sobre educação, ambiente e sociedade a partir de materiais provenientes de diferentes áreas, incentivando e permitindo o encontro com a diversidade do pensamento.
IMPOSTOS EM SÃO PAULO
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