IMPOSTOS EM SÃO PAULO

domingo, 28 de outubro de 2007

Cartas de Carlos R.Brandão-Notícias do Norte


Cartas de Carlos Brandão

Paris, 4 de outubro de 2007,

A todas as pessoas amigas de perto e de longe,

A última Notícias do Norte que me lembro de ter escrito a vocês, foi em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais. Hoje é o dia de São Francisco de Assis e esta carta, uma vez mais, é escrita de um lugar um pouco mais ao Norte.
Estou "a Norte de Casa" desde o dia 22 de setembro. E como uma semana antes eu estava em Erechim, no Rio Grande do Sul, quase na beira do rio Uruguai, e quase na fronteira com a Argentina, posso dizer que em poucos dias – mais com um intervalo em casa, em Campinas – viajei de um quase extremo ao outro. "Lá no Sul" participei de um "Encontro de Educação Ambiental". E "aqui no Norte", de um outro.
Foi um I Congresso de Educação Ambiental de Paises de Língua Lusófona e de Galícia. Então, durante cinco dias estivemos reunidos na Universidade de Santiago de Compostela, pessoas vindas de Timor Leste, de Cabo Verde, de Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe, de Moçambique, de Angola, de Portugal, da Galícia e... do Brasil. Fomos a delegação mais numerosa e, de longe, a mais falante. Não por minha causa, pois fui dos participantes mais silenciosos (sic).
Foi um Encontro de palestras, mesas redondas e, sobretudo, de oficinas e de trocas de saberes e de experiências. Dividi o meu tempo entre participar do Congresso, revisitar amigos e lugares de Santiago e de aldeias de perto (era a Festa de Santa Mínia em Brión, o município onde fiz a minha pesquisa em 1992, nas aldeias) e escrever um pouco mais de meu inacabável livro resultante dessa pesquisa. Consegui chegar na página 340 e o livro ainda vai pela metade. Do que vi, ouvi, vivi e falei, estou redigindo uma espécie de Memória do Congresso Lusófono que algum dia ficará pronta.
Estou agora aqui em Paris. Uma vez mais com Juan, Luciana, Iara e o pequeno Pablo, que por causa de sua serena e sábia quietude já recebeu o apelido de "Pequeno Buda", dado pelo avô.
Continuo escrevendo muito aqui. Escrever é o que faço em qualquer lugar, sempre que posso. Mas revejo lugares. E ocupo a maior parte de meu tempo aqui em estar com as pessoas de casa. Uma alegria nova tem sido o levar Iara à escola nas manhãs dos dias de semana e ir buscá-la depois. Ali ela comparte com várias outras crianças de vários paises, uma experiência de fato multicultural. Aqui as crianças são obrigadas ingressarem na escola no ano em que completam os 3 anos. Iara fará 3 anos no dia 18 de outubro, dez dias depois de Solange, minha mãe, completar no Rio de Janeiro os seus 90 anos.Voltamos algumas vezes ao mesmo "parquinho", um de seus lugares preferidos. Amanhã iremos de passeio a Londres, a família toda, e de trem. Será uma emoção nova passar por debaixo do Mar do Norte, o mesmo que atravessei com Luciana num, hoje distante, 1990, saindo em uma madrugada gelada de janeiro, de Oostende, na Bélgica.
Na volta passo ainda três dias aqui e viajo depois de volta à Galícia e às aldeias de Oms e de Ames, perto de Santiago. Dia 14 viajo de volta ao Brasil e tão cedo (espero) não sairei daí. Os "nortes" voltarão a ser os "de Minas" e eu espero que por vários meses eles sejam o "único norte".
De todas as muitas imagens, ao vivo, na tela da TV e nas revistas, livros e jornais, nenhuma ficou tão gravada como o corpo de bruços de um monge budista morto no Myamar, e jogado nas águas lamacentas de um rio. Passam os tempos e os anos. Nós vivemos encontros e congressos que quase sempre terminam com cartas, manifestos e palavras de esperança. Mas os tempos passam e mudam pouco os cenários de um mundo que se aferra na exclusão, na crescente desigualdade entre pessoas, países e povos, na perda progressiva da sensibilidade e na busca de "sucessos" resultantes de "vitórias" sobre "outros". Acontecimentos que em todos os planos obedecem cada vez mais aos termos da lógica e da anti-ética (e estética) competitiva de um mundo-mercado, e que a cada dia mais parecem estar ocupando, sutilmente ou não, esferas de nossas vidas que vão dos brinquedos das crianças aos jogos financeiros e deles às "conquistas" políticas e militares.
Não sei se de maneira intencional ou por distração, um jornal francês de ontem publicava duas notícias com destaque, uma ao lado da outra. Uma era sobre medidas governamentais dirigidas à descoberta e à expulsão de migrantes clandestinos, principalmente os vindos do mundo muçulmano, da África e da América Latina. E tudo o que toca o "controle dos imigrantes" é sempre assunto da maior importância por aqui. A outra notícia era sobre a aprovação de medidas destinadas à apreensão e a morte de cachorros altamente perigosos. Na mesma página, postas uma ao lado da outra, homens e cães quase poderiam ser lidos como os sujeitos das duas notícias.
De qualquer maneira, trata-se por aqui de resolver a questão essencial, agora: "o que fazer com o que agora não é mais essencial?"
O que fazer com o lixo que cresce a cada dia, porque sociedades de supérfluos consomem desbragadamente cada vez mais (basta ver o que se joga fora nos enormes reservatórios de dejetos nas esquinas de Paris). O que fazer com um outro supérfluo inaproveitável: seres humanos a quem alguns militantes dos direitos humanos e alguns cientistas sociais têm chamado de... "lixo humano"? O que fazer?
Na melhor livraria de Santiago de Compostela há uma bem visível estante com livros de Paulo Coelho. Pergunto pelos de um outro Paulo, Paulo Freire. A custo conseguem localizar três.
Bom, agora já é 9 de outubro. Voltamos de Londres. Caminhamos o tanto que pudemos debaixo de um céu generosamente ensolarado em uma cidade conhecida por suas chuvas e nevoeiros. Andamos mais do que tudo entre belos parques que as cores de outono transformam em lugares de sonho. Voltei de lá com alguns poemas pequeninos. São pensares sobre folhas e sobre nós. Alguns foram escritos em um dos lugares mais queridos de Santiago de Compostela, a Alameda. Se há um certo tom que salta da natureza no outono, para o outono da existência humana (de que eu me sinto um bom exemplo), que eles pareçam a vocês poemas mais outonalmente afetuosos do que invernamente tristes.

Fiquem com os pequenos poemas e o meu abraço com carinho,Carlos Brandão

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