Era uma vez um "Belo Monte". Tão belo
que despertou a sede insaciável dos monstros que vieram para ficar e
somente deixarão a terra que há anos ocupam, quando se apropriarem de
vez, de todos os rios, todos os minérios, toda a biodiversidade do
pulmão do mundo que, já em estado grave, clama pela resistência ativa de
seus habitantes naturais: os povos da floresta. A vila de Belo
Monte fica localizada nas proximidades do rio Xingu, Estado do Pará, no
coração da selva amazônica, próxima à cidade de Altamira. É ali, onde a
bacia do Xingu tem a mesma biodiversidade em peixes que toda a Europa,
que o governo brasileiro - tomando o nome da vila - pretende construir
uma das maiores hidrelétricas do mundo. Este é um projeto do tempo da
ditadura militar, data dos anos 70. Originalmente, previa a construção
de cinco usinas na região. Desde então, os povos indígenas, os ribeirinhos, a população da região,
ambientalistas e a Igreja local vêm lutando contra este projeto. Em
1989, os índios realizaram o "Primeiro Encontro das Nações Indígenas do
Xingu", que alcançou repercussão nacional e internacional. Pouco depois
deste encontro, o Banco Mundial negou o suporte financeiro e o projeto
foi arquivado. Mas não foi abandonado. Agora, por iniciativa do governo
Lula, ele volta com toda a força, como parte dos projetos do PAC. Para
acalmar a resistência ao projeto, o governo reduziu a proposta de cinco
para uma única usina.O governo afirma que ela gerará 11.233 megawatts.
No entanto, é sabido que essa potência só será produzida durante apenas
quatro meses, nos demais o máximo que se conseguirá é 4.000 MW, ou seja,
um terço do anunciado. O volume de terra a ser retirado para formar os
canais será tão grande quanto aquele escavado para a construção do canal
do Panamá! Milhares de pessoas dos municípios de Altamira, Vitória do
Xingu e Brasil Novo serão retiradas de suas terras compulsoriamente,
tornando-se mais pobres. Um terço da cidade de Altamira ficará submerso.
Os estudiosos afirmam que a construção de uma usina é apenas uma etapa:
o projeto seria financeiramente deficitário se se limitasse a uma única
usina. Aprovada e iniciada a primeira, o projeto das outras quatro virá
necessariamente. Profundos impactos serão causados na fauna e na flora; haverá comprometimento da navegabilidade, da pesca, da
agricultura; animais serão extintos e os modos de vida locais se
perderão em definitivo; grandes áreas de bosques serão inundadas. Cem
quilômetros do rio Xingu, um afluente do Amazonas - com largas
cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos, florestas, canais
naturais rochosos - se tornarão secos ou serão reduzidos a um filete de
água! E, isto, logo após a Conferência de Copenhague sobre a gravidade da questão ambiental no mundo atual. Para fazer
aprovar este projeto, o governo vem passando por cima de uma série de
exigências: seriam necessárias 27 audiências públicas, foram feitas
apenas 4 e, mesmo assim, os principais interessados, os indígenas, ou
não tiveram acesso ou tiveram seu acesso dificultado. O Ministério
Público do Pará denunciou este fato. Para fazer o IBAMA conceder a
licença ambiental, houve pressão sobre seus funcionários: dois deles deixaram o órgão no final do ano passado em função disso. O
Ministério das Minas e Energia (Edson Lobão) e o Ministério do Meio
Ambiente (Carlos Minc) pressionaram para que a licença ambiental fosse
concedida e o fosse o quanto antes. E assim foi. Não satisfeito com este
procedimento autoritário, a Advocacia Geral da União (AGU), logo em seguida à
concessão da licença, lançou uma nota - apoiada pelo Presidente da
República - ameaçando processar os membros do Ministério Público que
venham a colocar em questão a licença concedida ou o próprio projeto. Os
meios de comunicação observaram que esta posição da AGU é inédita. Na
verdade, é um retorno às práticas da ditadura: foi assim que os militares construíram suas grandes obras,
seus grandes projetos (inundação das Cataratas de Sete Quedas, a
construção das barragens de Tucuruí e tantas outras, a Transamazônica, a
usina nuclear de Angra dos Reis, o "Brasil Potência", o "Brasil, ame-o
ou deixe-o"...). Foi passando por cima da sociedade, dos povos indígenas
- que não deveriam ser um empecilho ao "progresso" -, das populações ribeirinhas, dos atingidos
pelas barragens, do respeito ao meio ambiente.O Brasil deixou de ser
ditadura há 25 anos e, num regime democrático, a sociedade tem o direito de se
manifestar, de protestar quando percebe que projetos governamentais vão
trazer prejuízo para a população. Finda a ditadura, graças à mobilização
do conjunto da sociedade civil, dos movimentos sociais, das entidades
de defesa dos direitos humanos, das Igrejas, construiu-se uma
Constituição que restabeleceu as liberdades democráticas, ampliou os
instrumentos de participação social e de defesa da sociedade contra os
abusos do poder. Um destes instrumentos de defesa criados pela
Constituição foi o Ministério Público. Esta instituição deve ter
absoluta liberdade de ação: opor ameaças ao seu trabalho é reeditar
comportamentos diante dos quais não nos calaremos. Não passem por cima
da Constituição Cidadã: ditadura, nunca mais! O objetivo principal da
energia que será gerada em Belo Monte é atender às necessidades das grandes empresas já instaladas ou
que vão se instalar na região ou em suas proximidades; o que importa são
os resultados financeiros para as empreiteiras privadas, para as
estatais (seja Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Chesf,
Furnas, Eletronorte, Eletrosul) e para os Bancos. Falou-se,
inicialmente, de um custo de 6,7 bilhões; agora já se fala em 30
bilhões. Segundo o pesquisador Oswaldo Sevá, trata-se de "um projeto
absurdo, [que] foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro". Um
conjunto de pesquisadores insiste que há muitas alternativas para gerar
energia elétrica no Brasil sem destruir o meio ambiente, sem prejudicar
os habitantes (em particular, os povos indígenas), de forma limpa e mais
inteligente. Entre outras coisas, eles mostram que é pouco sensato
construir uma usina na Amazônia e depois ter de construir enormes redes de transmissão para levar esta
energia para outras regiões. Após ter revisado toda a produção e distribuição de
energia já existente no Brasil, o que economizaria uma energia muito
maior do que Belo Monte pode produzir, o governo brasileiro deveria
concentrar-se no investimento das energias alternativas que são
hidrelétricas, sim, mas pequenas - nunca grandes - energia eólica - que
eles demonstram que pode produzir dez vezes mais energia que Itaipu - e
energia solar (que as autoridades brasileiras poderiam desenvolver, se tivessem interesse). A ABONG se solidariza com os
atingidos e as atingidas pelo projeto da Hidrelétrica de Belo Monte, e por todos os
projetos de hidrelétricas em execução ou planejadas na Amazônia (quase
400), denuncia a depredação ambiental que será causada se este projeto
for levado adiante e repudia veementemente a decisão do governo Lula,
que vem manchar de vergonha quem acreditou que a esperança prometida de
dias melhores estaria voltada para quem, de fato, precisa de vida digna.
São Paulo, 05 de fevereiro de
2010*
Associação Brasileira de Organizações não Governamentais
Ao publicar em meio impresso,
favor citar
a fonte e enviar cópia para: Caixa Postal 131 - CEP 60.001-970 -
Fortaleza -Ceará - Brasil
Ferramenta criada para a disciplina “Tópicos Avançados em Ambiente e Sociedade I”oferecida pelo Nepam - Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp com o objetivo de propor discussões sobre educação, ambiente e sociedade a partir de materiais provenientes de diferentes áreas, incentivando e permitindo o encontro com a diversidade do pensamento.
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Um comentário:
Então oque podemos fazer daqui de longe, quero fazer alguma coisa e me sinto de mãos atadas, podemos fazer um abaixo assinado como o pessoal do greenpeace faz? vamos fazer alguma coisa antes que seja tarde de mais
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