ou
Como aprender algo sobre a sociedade e
o poder
através de um arcaico livro chinês[1]
Aqueles que nunca esquecem nem por um
momento de ser espertos oprimem inevitavelmente sua natureza essencial. Aqueles
que nunca esquecem de manter as aparências, nem sequer em uma caminhada de cem
passos, sobrecarregam inevitavelmente seus corpos físicos.
Deste modo, a beleza das penas do
pássaro prejudica o esqueleto, a folhagem excessiva dos galhos prejudica a
raiz. Ninguém no mundo pode ser excelente nas duas coisas.
Os governantes das sociedades mais
recentes não tem acumulado o que é necessário para a vida; eles têm diluído a
pureza do mundo, têm destruído a simplicidade do mundo e têm deixado as pessoas
confusas e famintas, transformando a claridade em escuridão. A vida é volátil e
todos se esforçam loucamente. A honradez e a confiança desapareceram, as
pessoas perderam sua natureza essencial, a lei e a justiça contradizem uma a
outra.
Os governantes das épocas decadentes
extraíam os minérios das montanhas, tiravam os metais e as pedras preciosas,
quebravam e poliam conchas, fundiam o bronze e o ferro, e assim nada florescia.
Eles abriam a barriga dos animais prenhes, queimavam os prados, destruíam
ninhos e quebravam ovos, e assim as fênix não apareciam e os unicórnios não
andavam por perto. Eles cortavam árvores para fazer prédios, queimavam bosques
para abrir campos e pescavam em excesso, até o esgotamento dos lagos.
Montanhas, rios, vales e desfiladeiros
eram divididos e eram colocadas fronteiras neles; o tamanho dos grupos de
pessoas era calculado e adaptado a certos números. Máquinas e fortificações
eram construídas para a defesa; as cores das roupas eram regulamentadas de modo
a diferenciar as classes sociais; os prêmios e as penalidades eram usados para
os bons e os indignos. Assim os armamentos se desenvolveram e as lutas
surgiram. A partir disso começou o massacre dos inocentes.
Os governantes e o súditos estão em
conflito e não em convívio amistoso, enquanto os familiares são afastados e não
se mantém juntos. Nos campos, as brotações não perduram, nas ruas não há
pessoas caminhando. Areias auríferas são extraídas, pedras preciosas são todas
arrancadas, as tartarugas são capturadas por causa de seus cascos e têm seus
ventres arrancados. A adivinhação é praticada todos os dias e todo o mundo está
desunido. Os governantes locais estabelecem leis incoerentes entre si e
costumes que se anulam uns aos outros. Eles arrancam as raízes e abandonam a base; estabelecem códigos
penais que os fazem ser severos e exigentes; lutam com armas, agridem pessoas
comuns, matam a maior parte delas. Eles organizam exércitos e criam problemas,
atacam cidades e matam por matar, derrubando o que é elevado e colocando em
perigo o que é seguro. Produzem grandes veículos de ataque e fortificações
redobradas para repelir tropas de combate, e mandam seus batalhões para missões
mortais. Contra um inimigo formidável, de cada cem que partem um retorna.
Aqueles que conseguem obter uma grande reputação podem obter para si uma parte
do território anexado, mas isso custa a morte de cem mil pessoas em combate,
além dos números incontáveis de velhos e crianças que morrem de fome e de frio.
Depois disso o mundo nunca pode estar em paz em sua vida essencial.
O que está estabelecido para os
escalões inferiores não deve ser ignorado nos escalões superiores; o que está
proibido para o povo em geral não deve sr praticado pelos indivíduos
privilegiados.
Por isso, quando os líderes humanitários
estabelecem leis, primeiro eles devem aplicá-las a si mesmos, para testá-las e
comprová-las. Assim, se uma regulamentação funcionar para os próprios
governantes, ela pode ser aplicada à população.
Aqueles que sabem de onde vêm as leis
as adaptam aos tempos; os que não conhecem as origens dos costumes podem
obedecê-las, mas no final terminarão no caos (…) Apoiar o que está em perigo e
colocar ordem no que está em caos não é possível se não houver sabedoria. No
que se refere a falar do passado e citar os antigos, há inúmeros ignorantes que
sabem fazer isso. Por isso os sábios não agem com base em leis que sejam
inúteis, nem dão atenção a palavras que não comprovaram serem eficazes.
Fragmentos do WEN-TZU – A
COMPREENSÃO DOS MISTÉRIOS – ensinamentos de Lao-Tzu
As passagens do texto original foram
tomadas de: antecedentes históricos do Wen-Tzu na Tradição Taoísta,
escrita pelo compilador e tradutor do original chinês, Thomas Cleary.
Estão entre as páginas 14 e 18 do
livro, traduzido por Carlos Cardoso Aveline e publicado pela Editora Teosófica
de Brasília, em 2002.
Seleção e cópia de Carlos Rodrigues
Brandão
[1] Eis o que diz a nota 6, da página 13,
referente à introdução de Thomas Clearly: um parágrafo acima, Thomas Cleary
lembra que o Wen-Tzu foi supostamente escrito no século 8 AC. Cerca de
setecentos anos depois disso temos o século 1 AC como possível data da obra.
Cleary afirma em seguida que a obra foi escrita “uns duzentos anos depois da
abolição da dinastia Chou”. Uma vez que a dinastia terminou em 256 AC, a obra
deve ter sido escrita em meados do século1 AC, na dinastia Han (nota da edução
brasileira).
Um comentário:
Bravo!
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