Em 1989, quando foram concluídos os primeiros estudos de viabilidade
do aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu, no Pará, a Eletronorte
previa a construção de uma única barragem, no final da Volta Grande,
junto à qual haveria uma única casa de força, com 20 turbinas. A represa
inundaria 1.225 quilômetros quadrados e estocaria água suficiente para a
produção de 11,2 mil megawatts de energia no pique das cheias e uma
geração firme próxima de 50%. Era um projeto semelhante ao da usina de
Tucuruí, inaugurada em 1984.
Em 2008, quando o inventário do Xingu foi atualizado, o projeto
mudara. O eixo da barragem foi relocado rio acima. A área de inundação
foi reduzida para 516 quilômetros quadrados, dos quais 382 km2 no leito
do próprio Xingu (apenas 40 km2 de área nova, situada além dos limites
alcançados pelas cheias anuais do rio). Os outros 134 km2 constituiriam o
que passou a ser chamado de “reservatório dos canais”, a maior inovação
do projeto de engenharia. Reposicionada para o início da Volta Grande, a barragem desviaria as
águas do Xingu para um canal artificial, que aproveitaria as drenagens
naturais nesse trecho da bacia, corrigindo-as e avolumando-as para se
tornarem um vertedouro, através de uma sucessão de diques de terra e de
concreto a serem construídos. Assim, a água seria conduzida até a casa
de força principal, desvinculada da barragem, valendo-se do desnível de
90 metros entre o início e o fim desse segundo reservatório.
No auge da cheia, haveria água suficiente para movimentar as enormes
máquinas, cada uma das quais precisando de 500 mil litros de água por
segundo para alcançar sua capacidade nominal. Mas na maior estiagem
simplesmente a vazão do Xingu seria insuficiente para colocar a usina em
funcionamento. Ela ficaria parada. É a deficiência das hidrelétricas a
fio d’água, que não têm estoque formado para o verão. No Xingu, a
diferença entre as duas etapas de vazão chega a 30 vezes. Agora, imagine-se um projeto que eliminasse o reservatório dos
canais, mantendo apenas a barragem no eixo do rio e a casa de força
secundária. As oito máquinas a serem instaladas na barragem do sítio
Pimentel têm capacidade para 233 MW, potência que equivale a menos da
metade de uma única das 20 máquinas da casa de força principal, situada a
50 quilômetros de distância, rio abaixo. Mas o suficiente para
abastecer quase a metade da população de Belém. No Relatório de Impacto Ambiental de Belo Monte, os técnicos afirmam,
estranhamente, que essa população “corresponde aproximadamente a três
milhões e meio de pessoas”. A população de Belém é de 1,5 milhão de
habitantes. Logo, a metade deveria ser de 750 mil pessoas. Qual então o
valor certo: 750 mil ou 3,5 milhões de pessoas, que correspondem
exatamente a metade da população de todo o Estado do Pará? O Rima não
diz e esta se constitui em uma de suas falhas, pequena, talvez, mas
gritante.
É uma potência insignificante, se comparada aos 11,2 mil MW da
capacidade a ser instalada na casa de força principal (apenas 2% dela).
Mas as melhores estimativas são de que a energia média de Belo Monte
será inferior a 4 mil MW, elevando o percentual da usina secundária para
5% da grande hidrelétrica.
Fazendo-se outra correlação, porém, verifica-se que se Belo Monte
fosse reduzida à casa de força complementar, sua potência seria uma vez e
meia maior do que o parque eólico de Osório, a quarta mais importante
cidade do Rio Grande do Sul. Lá, 75 torres de 100 metros com turbinas
acionadas pelo vento irão gerar 150 MW, o suficiente para abastecer 400
mil pessoas. A barragem do sítio Pimentel, inundando uma área de 382
km2, dos quais apenas 40 km2 excederiam as cheias naturais do rio,
abasteceria com energia toda a Transamazônica e iria além: garantiria
disponibilidade para absorver incrementos exponenciais no consumo,
incluindo indústrias que fossem atraídas para a região, centralizada em
Altamira.
Como todas as turbinas são do tipo bulbo, que funcionam com água
corrente, em desnível de 20 metros, sem precisar da criação de
declividade artificial através de barragens de alta queda, a usina
funcionaria o ano inteiro. Sem a enorme movimentação de terra e concreto
exigida pelo atual projeto, e dispensando as caríssimas turbinas
Francis, em quanto ficaria o custo dessa hidrelétrica? Quem sabe, 2% ou,
no máximo, 5% dos 19 bilhões de reais previstos pelos cálculos
oficiais, ou muito menos ainda se considerados os R$ 30 bilhões
estimados pelos empreiteiros, provavelmente mais próximos da realidade. E
sem os impactos - sociais, ambientais e econômicos - que a grande e
problemática obra provocaria. Por que não testar uma mini-Belo Monte,
que já está desenhada no projeto, antes de se arriscar com um mastodonte
sujeito ao descontrole? Fica a sugestão. Espero que ela seja levada na devida conta antes de
se consumar a aventura com destino incerto e não sabido, como deverá ser
a Belo Monte atual. Voltada para manter a condição colonial da
Amazônia, ao invés de desenvolvê-la de verdade.
Grandes projetos
O BNDES se dispõe a investir 13 bilhões de reais na hidrelétrica de
Belo Monte. É 30% mais do que o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social emprestou a sete grandes empreendimentos na Amazônia
nos últimos quatro anos. São cinco projetos privados e dois públicos, de
infraestrutura, ambos de energia, que somam R$ 10,6 bilhões. O maior de todos, de R$ 6,1 bilhões, é na hidrelétrica de Santo
Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, contratado em março do ano
passado. A usina, que deve produzir 3.150 megawatts, tem orçamento de R$
13,5 bi. E tem ainda a hidrelétrica de Jirau, no mesmo trecho do rio,
com previsão de investimento de R$ 9,4 bilhões (se mantida a relação, de
50%, contra 80% em Belo Monte, serão mais de R$ 4 bilhões do banco
estatal). O segundo empréstimo, no valor de R$ 2,5 bilhões, é no gasoduto
Urucu-Manaus, que parte de Coari e vai até a capital amazonense, já em
operação. Na expansão da hidrelétrica de Tucuruí o banco comprometeu R$
931 milhões. A MMX Amapá Mineração e Logística, que era de Eike Batista,
conseguiu R$ 580 milhões. A Alcoa, no mais recente desses contratos, de
novembro do ano passado, ficou com R$ 304 milhões para implantar a
infraestrutura da mina de bauxita de Juruti na escala de 2,6 milhões de
toneladas anuais de bauxita. À Jari Celulose, do grupo Orsa (originalmente do americano Daniel
Ludwig), foram reservados R$ 145 milhões. E para a Usipar instalar em
Barcarena dois altos fornos para produzir 500 mil toneladas de ferro
gusa e uma planta de sinterização, R$ 31 milhões.
A demanda por recursos do BNDES cresceu tanto que o FAT (Fundo de
Amparo ao Trabalhador), que constitui a principal fonte do banco, não
deu conta. O governo decidiu entrar com verba volumosa do tesouro. Se os
negócios nos quais o banco entrou derem certo, o dinheiro volta. Se
não, vai para a conta da viúva. O governo Lula entrou com tudo na nova
era dos “grandes projetos”. Nenhum deles se compara ao de Belo Monte: em
volume físico de dinheiro e em potencial de risco.
Lúcio
Flávio Pinto * Jornalista "Jornal do Pará" 28/05/2010
MEMÓRIA DO BLOG VER EM
http://fernandowilliams.com/salve-o-planeta/usina-hidreletrica-belo-monte-rio-xingu-floresta-amazonica-greenpeace-lula/
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