IMPOSTOS EM SÃO PAULO

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Carta de Carlos Brandão


CARTA DE 2007
Pirapora, 1 de dezembro de 2007 ,

A todas as pessoas amigas e queridas, de perto e de longe,
Não sei até quando escreverei ainda estas "cartas de fim de ano". E neste ano, como nos outros últimos cinco, eu me pergunto de novo: "será que esta vai ser a última". Afinal, em dois deles a vida jogou duro comigo, e eu, sobrevivente, escrevi. Durante muitos anos elas iam pelo correio. E algumas das deste ano viajarão por ele também. Em envelopes brancos e com selos do "tempo do Natal", como sempre deveria ser. Mas escrevo, movido talvez pela velha mania de acreditar que nem que seja porque um ano vai dar lugar a outro na vida de todas e todos nós, este deveria ser um tempo de nos dizermos uns aos outros mais do que apenas... "Feliz Natal e próspero (resquício da era em que, como agora, "tempo é dinheiro") Ano Novo!". Bem mais do que prestar contas a nós mesmos, no virar dos calendários e abrir uma nova agenda, este deveria ser um tempo de nos contarmos uns e umas às e aos outros. Pois se lemos nos jornais diários como interesse o que se passa na Favela do Alemão ou entre os curdos do Afeganistão, porque não narrarmos às pessoas que fazem parte dos diferentes círculos mais afetivos e interiores do que chamamos "a minha vida", o que anda acontecendo com ela? E devo confessar que na virada não só de 2008, mas de meus 68 anos, sou ainda daqueles tempos em que uma inesperada (ou uma muito esperada) carta vinda de longe e escrita a mão por um amigo querido - mas em silêncio há muitos meses - era aberta do envelope com rara e tremente emoção. Era lida e relida várias vezes, e valia bem mais do que os as extravagâncias eletrônicas com que nos saudamos entre muitas imagens e breves palavras hoje em dia. Assim, eu conto a vocês. E que seja como em algum lugar escreveu João Guimarães Rosa: "conto sim, para que por saber o senhor não fique não sabendo".
Chegamos (espero) até aqui, e esta já é uma primeira notícia. Algumas pessoas queridas e outras, conhecidas de perto ou e longe, partiram em viagem; voltaram ao lugar de onde vieram há muitos e muitos anos e talvez, melhor do que nós, podem afinal dizer: "estou em casa". Mas nós que ficamos... seguimos.
E de minha parte, no meio de tantas mudanças entre tantos tempos, tudo parece ser tão como antes, que talvez quase nada tenha mudado mesmo. A despeito de em todos os 31 de dezembro eu prometer a mim mesmo e a quem esteja por perto de mim que: "no ano que vem vou largar tudo e viver de natureza, leituras e escritos no Sul de Minas", continuo vivendo o mesmo que fazia nos últimos muitos anos... Inclusive viver (um pouco por mês) de natureza, de leituras e de escrever no Sul de Minas. Mas continuo viajando muito, dando muitas aulas e fazendo ainda pesquisas.Bom, 10 anos depois de me aposentar da UNICAMP, saí finalmente dela. Não estou mais no Doutorado em Ambiente e Sociedade, do NEPAM. Também terminou o meu contrato com o Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Continuo como professor colaborador e tenho ainda mestrando, mestrandas e doutoranda san-franciscanas lá. Estou agora como pesquisador-visitante da Universidade Estadual de Montes Claros, no Norte de Minas. Acabamos de aprovar um "Projeto Opará" (o nome indígena do rio São Francisco) e através dele, por pelo menos mais dois anos e alguns meses estarei dando continuidade a pesquisas de campo nas beiras do São Francisco. Aliás, vejam vocês! Eu que quando menino-carioca sonhava ir viver um dia em alguma ilha deserta, ou mesmo em um farol no meio do mar, resolvi concluir (mesmo) a minha vida de pesquisador (apenas de pesquisador) estudando a vida em comunidades tradicionais de ilhas do rio São Francisco e ilhas do mar, no litoral sul de São Paulo e norte do Paraná. "Beira vida, beira rio", era o nome anterior de um projeto que agora se transforma em "Beira ilha, beira rio". Antecipo esta aventura com a mesma euforia dos meus tempos de iniciante na vida e na universidade. Agora mesmo, entre fevereiro e março estarei coordenando uma "Oficina de Pesquisas sobre Comunidades Insulares e Ribeirinhas, nas beiras do São Francisco", em Pirapora. Desde meados deste ano estou trabalhando no Instituto Paulo Freire. Faz tempo sentia falta de estar de fato vinculado a algum movimento que me trouxesse aos dias da vida algo mais substantivo dos velhos e sempre presentes tempos da Educação Popular. Este inesperado e felizardo re-encontro com Moacir Gadotti e toda a equipe do IPF é uma das esperanças do "seguir em frente" para o ano que começa. Começo fazendo uma série de Cadernos Diálogos e seguirei trabalhando junto ao programa editorial do IPF.Tenho escrito bastante e, como sempre, em todos os lugares, principalmente em e entre viagens. Agora, no outono da vida, tenho tempo e desejos de escrever os meus livros mais sérios e profundos. Assim, depois de Céu de passarinho, de São Francisco meu destino, de Furundum! (quase todo musicado por Josino do Norte) e de O Jardim de Todos, acabo de escrever e enviar para a editora o: Abecedário dos bichos que existem e não existem. Como três dos livros anteriores citados aqui, ele é um livro de poemas para crianças de 5 a 100 anos. E, mais feliz do que os outros, pois foi todo ilustrado por crianças das beiras do São Francisco. Alguns livros de outras vocações e caminhos estão também por aí. Neste ano saiu o: O vôo da arara azul, um livro de educação ambiental que começa com um longo capítulo em que narro confidentemente a minha "biografia natural". Isto é, tudo aquilo que não caberia em um curriculum vitae. Saiu também pela Editora da EDUFU, a terceira edição, agora completa de verdade, de: Os deuses do povo - um estudo sobre a religião popular. Pela Editora Santuário deve sair em 2008 um outro livro sobre religião popular: Prece e romaria, festa e folia. Mas apenas depois de a mesma editora lançar nas ruas o: Minha casa, o mundo. Mais um desses livros que lembram o que poderíamos fazer para a vida na Terra não desaparecer tão depressa. E a mesma EDUFU deverá publicar uma coletânea de antigos e novos estudos sobre o mundo rural (acho que depois de Otávio Alves Velho eu sou o carioca-copacabanense como mais livros sobre mundos rurais longe do Rio). Ele se chamará: No Rancho Fundo – tempos e espaços nos mundos rurais do Brasil. E aqui e na Galícia, um livro de poesias com mais de 10 anos de idade deverá ser publicado: O caminho da estrela, longos e pungentes poemas em prosa. Aguardem!
Uma das grandes alegrias de 2007 foi o trabalho solidário que resultou no CD de O Jardim de Todos. Estou acostumado a trabalhar com equipes de todos os tipos e vocações, desde a tropa de escoteiros em um distante começo dos anos 50, até o Instituto Paulo Freire. Mas raras vezes vi uma equipe de gente tão próxima e tão dispersa (tinha artistas de vários cantos do País). Todo mundo reunido em criar poesia cantada entre toques e cantos, a partir dos escritos de meu livro. Foram meses de trabalho gratuito, generoso e solidário. O selo RARA ROSA agora tem mis um CD pra mostrar ao mundo que na terra de Ivette Sangalo e de Paulo Coelho, ainda há gente que lembra o outro Paulo, e sabe criar arte de verdade. Não importa que eles vendam "milhões" e nós estejamos por aí, espalhando de mão em mão o que criamos. De repente me lembrei aquele pedacinho do poema de Mário Quintana: "Eles passarão/eu... passarinho". Estamos agora trabalhando em um outro CD com vários poemas de Os Nomes, também quase todos musicados por Josino Medina, e com a presença de Dércio Marques e de outras pessoas, artes e vozes.Este é o ano em que D. Tomás Balduino e Jether Pereira Ramalho completam 85 anos. Trabalhamos juntos desde os anos 60. Vivemos aqui e ali grandes esperanças, muitas lutas e algumas tristezas; umas antigas, outras bem presentes. Lembrando esses dois "velhos queridos" convivo com a lembrança de tantas outras pessoas que, como eu, como nós, ainda crêem que vale a pena viver. Que vale a pena viver para sair de si e deixar-se fluir em meio à vida de outras pessoas. Que talvez não possamos mais sonhar e nem crer em alguma grande, súbita e radical revolução que de um mês para o outro transforme tudo e todos. Mas uma gente que olha à sua volta e reconhece um mundo ilusoriamente mais feliz, apenas porque mais ruidoso e mais ruidosamente mentiroso. Somos poucos, mas a rede de quem somos, espalhada por todo o mundo é bem maior, mais poderosa e mais digna de crença e esperança do que nós mesmos acreditamos. Lá no sul de Minas, em Poços de Caldas, conseguimos com muito esforço repetir uma segunda edição do curso de Redes Solidárias em Educação e Ação Social. Não muito longe dali, em Caldas – onde a ROSA DOS VENTOS completa no carnaval que vem 13 anos, e continua a sua pequena e fecunda trajetória de "casa de acolhida", aberta a quem chegue e venha – seguimos lutando contra as poderosas pedreiras e a INB. E lá também, a duras penas conseguimos fazer ser aprovada a Área de Proteção Ambiental da Pedra Branca. Pequenos passos. Pequenos gestos. Mas, em nome do que viver, se não for em nome deles?
No mais, a família aumenta. Além de Pedro, em Santos e de Iara,, nasceu em Paris Pablo, filho de Luciana e Juan. Eles estarão chegando aqui dia 7. E em Brasília nasceu Lara, a menina que saltou para a vida e aprendeu a viver mesmo quando tudo parecia tão contrário. Lilah, o pai de Lara, os avós e todas e todos nós vivemos esta outra felicidade como um outro sinal de vida e de esperança. Encerrei algumas últimas cartas a algumas pessoas com uma frase tirada de uma agenda. Ela dizia isto: "seja você mesmo a mudança que você deseja para o mundo". Ousada, mas dita por Gandhi, algo perfeitamente humano e possível. Mas imaginem que outro dia, fazendo compras no mercado de Campinas junto com André, encontrei esta outra frase, escrita a máquina e colada no vidro de uma banca de bugigangas: "neste mundo há duas espécies de pessoas. Uma, a das que não acreditam em milagres. Outra, a das que acham que todas as coisas são um milagre". Para quem imagine que ela seria o pensamento de um desses líderes espirituais de túnicas brancas, devo dizer que ela foi escrita um dia por Albert Einstein. Que tal começar um novo no imaginando qual das duas espécies de pessoa você é... ou sonha ser?
Estivemos juntos!
Estamos juntas!
Estejamos junt@s!

Um Natal feliz – sem esquecer as Folias de Santos Reis girando pelas ruas das nossas cidades e recantos de roças – e um ano de 2008 bonito, fecundo e em PAZ!
Carlos Rodrigues Brandão

Vejam vídeos sobre Literatura e Teatro em: http://www.sempreumpapo.com.br/capa/index.php

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