IMPOSTOS EM SÃO PAULO

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

OPARÁ, O RIO MAR


Costuma-se traduzir o nome original indígena do Rio São Francisco – “Opará” – por “Rio-Mar” simplesmente.
Um bom dicionário jesuíta de Tupi, que tinha Dom José Rodrigues de Souza, bispo emérito de Juazeiro, grande lutador do povo de Sobradinho (a quem aqui rendemos homenagens, nessa memória de 30 anos da barragem e de suas lutas), dizia que “Opará” é rio “sem rumo definido, de limite incerto, errático”. Como em quase todos os topônimos brasileiros de origem indígena, é perfeito. Assim era o “Opará”, batizado São Francisco no dia do Santo em 1501, pelos navegadores Américo Vespúcio e André Gonçalves. Assim era antes das barragens, hidrelétricas e canais de irrigação e do interminável “ciclo do desenvolvimento” contra o povo. O ciclo natural de cheias e vazantes, altas e baixas, grandes e pequenas, fazia jus ao nome de um rio que tem declividade de apenas 7,4 cm por km (0,8 m/s), na maior parte de sua extensão de quase 3 mil Km (entre Pirapora-MG e Juazeiro-BA), devida à falha geológica conhecida por Depressão Sanfranciscana.
Talvez seja oportuno dizer, sobretudo aos companheiros e companheiras de outros países, que além de um milagre da natureza, o São Francisco, que corre ao contrário dos outros e é a maior bacia hidrográfica inteiramente brasileira (640 mil km2), terceira do país, é um dos símbolos informais da nacionalidade, tido como o “rio da unidade nacional”, porquanto serviu de caminho entre o Norte onde se iniciou o Brasil e o Sul onde o Brasil se centralizou.
Não obstante tanta importância geográfica, histórica, cultural e política, o “ciclo do desenvolvimento”, propagado como modernização e implantado como modernização compulsória e conservadora, iniciado na segunda quadra do século XX, viu nele, num primeiro momento, apenas hidreletricidade. Já são sete Usinas Hidrelétricas em sua calha, que desalojaram mais de 140 mil pessoas, produzem 10.356 megawats, comprometendo cerca de 80% de sua vazão; e mais quatro barragens se anunciam... Depois, ao final da terceira quadra, acrescentou-se a irrigação de frutas para exportação e, mais recentemente, no limiar do século XXI, para os novos “negociantes da ecologia”, irrigação de agrocombustíveis para exportação e perpetuação do modelo de civilização baseada nos carburantes. E suas águas, límpidas ou barrentas, contaminadas, como agora por cianobactérias como nunca se viu, passaram a ser consideradas, por aparato legal inclusive (a Lei no 9433/97 ), “recursos hídricos” para todos os usos, inclusive econômicos intensivos em água. A consolidar o “negócio da água”, o hidronegócio que se junta ao eletro e ao agronegócio, iniciaram-se as obras do Projeto de Transposição ou, no eufemismo oficial, Integração de Bacias do São Francisco com as do Nordeste Setentrional, para abastecer de água alegados 12 milhões de sedentos.
Além da poluição urbana, industrial, minerária e agrícola e das barragens, degradam os ecossistemas hidro-ambientais e culturais do São Francisco o desmatamento e o conseqüente assoreamento, as carvoarias e a irrigação, a serviço da expansão do agronegócio na Bacia, às margens da calha e dos afluentes e, sobretudo, nos Cerrados, bioma responsável por mais de 80% de suas águas. Resultado dessa série de múltiplos, sobrepostos e indisciplinados usos, o rio São Francisco, do qual dependem os 14 milhões de pessoas que são a população da Bacia, tornou-se um rio condenado, cuja revitalização, trabalho hercúleo de gerações, muito além do atual e pífio Programa de Revitalização do Governo Federal, dificilmente lhe devolverá a vitalidade e o vigor.
* * * Trecho retirado do artigo "De Sobradinho à transposição: para onde corre o São Francisco?" do Prof.Ruben Siqueira apresentado na Mesa Redonda, com esse mesmo título, no "I Encuentro Ciencias Sociales e Represas e II Encontro Ciências Sociais e Barragens, em Salvador – Bahia, Brasil, no dia 22 de novembro de 2007"

Voltaremos a ele

Nenhum comentário: